Refletindo sobre o modelo de desenvolvimento e a construção de hidrelétricas no Brasil
A palavra desenvolvimento tem sido o mote político para os mais variados ramos ideológicos nas últimas décadas. Mas, afinal, o que significa este termo?
Em latim, desenvolver significa aumentar, fazer crescer. Entretanto, todo crescimento deve ter um limite. Os seres humanos não crescem ilimitadamente.
Se o fizéssemos na mesma velocidade de quando estamos no nosso primeiro ano de vida, teríamos uma aparência gigantesca. Assim deve ser com toda a atividade humana, ou do contrário, não haverá equilíbrio.
Por que aceitamos um único sentido para a palavra desenvolvimento? Por que sempre imaginamos que ele trará fartura e abundância e não questionamos as conseqüências que este modelo imposto irá nos trazer? Os arautos do desenvolvimento no capitalismo moderno nunca divulgam o que os cientistas chamam de Mochila Ambiental (ALIER, 2007), aquilo que vem como impacto do modelo que vivemos nos dias atuais.
Todos os líderes políticos gostam de afirmar que estão trazendo o desenvolvimento e com ele virão os empregos. Mas a que preço? Matamos os rios, as matas, exploramos os humanos em nome de um sistema que a sociedade não consegue discutir a sério. Mesmo a maioria dos líderes sindicais e dos movimentos sociais não leva estas reflexões para as suas bases com o medo da recusa ao tema.
Para o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves (2004), para trazer o desenvolvimento para o nosso meio, a elite precisa nos des-envolver, des-sacralizar os nossos valores e a nossa cultura. É o não-envolvimento com as raízes e a imposição de um modelo de sociedade vindo de outra cultura que facilitam a dominação de um povo. Nós damos ao outro o direito de dirigir a nossa vida, a nossa comunidade e a nossa cidade porque isso vai gerar emprego, mas não nos perguntamos o que estamos perdendo a longo prazo com este gesto.
Para nos iludir, a elite criou o termo Desenvolvimento Sustentável. Nós nos atemos mais ao substantivo que ao adjetivo, já nos lembraram alguns ambientalistas. O desenvolvimento pode ser sustentável? Do ponto de vista de quem: do estadunidense e do europeu de classe média alta ou do indígena africano?
O consumismo do Norte está atrelado ao que chamamos de desenvolvimento. A questão do consumo perpassa toda a problemática ambiental dos nossos dias. Se uns consomem mais que outros, este ato está imbuído de uma ideologização nunca antes vista na humanidade. O discurso neoliberal do direito ao consumo esconde questões como: consumir o quê e consumir para quê? Como é produzido o que eu consumo?
Hoje devemos, mais do que nunca, falar em Comunidades Sustentáveis. São as comunidades que devem, de forma verdadeiramente democrática e com um modelo de poder circular e não hierárquico, discutir o que é melhor para elas. Esta pode ser a solução para os graves problemas que estamos enfrentando neste momento da nossa história. É preciso voltar ao envolvimento com a terra e a água, sacralizar os nossos espaços e refletir sobre quem está ganhando com este modelo que está destruindo a nossa Casa Comum.
Sem hidrelétricas não há desenvolvimento
A afirmativa acima reflete bem como o termo desenvolvimento é usado para justificar todo e qualquer ato que possa destruir vidas humanas e/ou não humanas. O caso da Hidrelétrica de Belo Monte é bem ilustrativo. Não importa que o rio Xingu possa morrer com o seu barramento e dezenas de povos indígenas e tradicionais estejam ameaçados, “afinal, eles devem adequar-se ao modo de vida do resto dos brasileiros”, lembrou um colunista de uma famosa revista semanal brasileira.
A afirmação deve ser, na verdade, outra: há desenvolvimento sem hidrelétrica. Existem várias formas de se gerar energias renováveis. Aqui não nos ateremos às alternativas científicas, mas é pertinente nomear apenas uma: a energia solar.
Os movimentos sociais que lidam com a questão sócio-ambiental afirmam que um dos grandes problemas enfrentados pelos pobres atualmente é o barramento dos rios. A justificativa é o controle hídrico e energético. Antes se tinha como certo que a produção da energia hídrica era limpa. Hoje já se sabe sobre os seus impactos negativos, mesmo quando apenas 20% da energia produzida no mundo vêm das hidrelétricas.
Nas últimas décadas, mais de 800 mil represas já foram construídas no nosso planeta, e quarenta e cinco mil são barragens de grande porte, tomando 1% da superfície do planeta. Deste total, 75% da energia é consumida pelos EUA e Europa (TRIERVEILER; COSTA; ZEM, 2004). No Brasil, 92% da energia produzida vem das hidrelétricas. Porém, 48% da energia consumida no nosso país vai para a indústria pesada, principalmente a siderurgia. São mais de duas mil barragens somando 34 mil km alagados, informa o Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB.
Não bastassem todas as barragens já construídas, o Plano 2015 do Governo Federal prevê a construção de mais 415 hidrelétricas contribuindo para a crise ambiental que já nos assola. O primeiro a sentir o impacto é o rio barrado. Com o controle das comportas, o rio passa a ter uma vazão inconstante e suas margens enfrentam períodos de seca e inundação repentinas. Outras conseqüências vêm a seguir, tais como:
-Espécies de peixes desaparecem ou diminuem em quantidade;
-Fuga dos animais;
-Perda da biodiversidade;
-A madeira que apodrece no fundo das barragens emite gazes que aumentarão o efeito estufa;
-Mudança no curso dos rios causando perda de ecossistemas;
-Intensificação de tremores de terras;
-Os sedimentos são depositados no fundo da barragem e não conseguem ir rio abaixo;
-Queda na qualidade da água;
O Movimento dos Atingindo por Barragens –MAB - calcula que foram deslocadas entre 40 a 80 milhões de pessoas no mundo por causa das barragens nas últimas décadas (sendo mais de um milhão somente no Brasil). Este descolamento de populações gera a perda de laços comunitários, de monumentos históricos e de riqueza de paisagens. Além disso, a sacralidade territorial para algumas comunidades passa a não mais existir. Além de todos estes problemas, ainda temos a privatização da água da barragem para o agronegócio (TRIERVEILER; COSTA; ZEM, 2004). Mas por que o governo continua a apostar nesta alternativa quando se sabe que 30% da Divida Externa brasileira deve-se a construção de barragens e hidrelétricas e que a dependência de um só modelo energético não é benéfica e nem estratégica para o país? Por que não se toca na questão da privatização do setor energético brasileiro e dos subsídios para as multinacionais? Subsídios estes que são materializados na forma de exportação de produtos baratos para os países do Norte.
O governo sabe que repotencialinzando as turbinas das hidrelétricas e investindo em outras formas de produção de energia como a solar, a biomassa e a aeólica pode dar outro rumo a matriz energética brasileira e não causar tantos danos a milhares de vidas que, quase sempre, só encontram o Estado brasileiro quando é para lhes causar prejuízos.
*Referências:
ALIER, Joan Martinez. O Ecologismo dos Pobres. Rio de Janeiro: Contexto. 2007.
Porto-Gonçalves, Carlos Walter. O Desfio Ambiental. Rio de Janeiro: Record. 2007.
TRIERVEILER, Marco Antônio; COSTA, Gilberto Cervinski Luiz Dalla; ZEM, Eduardo. Energia a Serviço da Exploração Capitalista. In Direitos Humanos no Brasil: Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. 2004.
www.mabnacional.com.br
(Envolverde/O autor)
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