Gente que conseguiu mudar
por Redação Isso Não é Normal
Muitas das causas das mudanças climáticas são estruturais, políticas, e não há muito que cada cidadão possa fazer para mudá-las. Mas é possível sim fazer diferença adotando atitudes simples, que reduzem bastante o impacto individual. Conheça a história de cinco paulistanos que, sem se sacrificar, mudaram de vida.
Lixo reduzido
Ele mora sozinho, mas convive diariamente com a presença da namorada em casa. Todos os dias, Erich despeja o lixo orgânico que os dois geram no seu minhocário. O minhocário é uma pilha de três caixas de plástico, sendo que as duas de cima possuem húmus com minhocas. Erich despeja lixo orgânico junto com folhas secas na caixa de cima até ela encher, e aí passa a do meio para cima, enquanto as minhocas diligentemente transformam cascas de frutas e de ovos, pó de café e restos não muito condimentados de comida (vulgo “lixo”) em humus de minhoca, uniforme e limpo. Na caixa de baixo, vai se acumulando um bio-fertilizante que é ótimo para regar as plantas. Tudo isso acontece praticamente sem cheiro.
Um minhocário custa de R$ 270 a R$ 370. O que não pode ser descartado nele, como resto de carne, vai para o lixo comum de Erich, junto com sachês de ketchup que ganha na lanchonete ou papéis de cupom fiscal do cartão do banco, que não são recicláveis.
Os papéis comuns, o vidro, o plástico e outros recicláveis são acumulados em uma lixeira nos fundos da casa. Sempre que o recipiente transborda, Erich usa a caçamba de sua picape para levar os resíduos a um ponto de coleta que fica a poucos metros de sua casa.
Fazendo a conta
Erich gera 80% menos lixo do que a média da população de São Paulo. O Departamento de Limpeza Urbana de São Paulo (Limpurb) estima que 17 mil toneladas de lixo são coletados por dia. Apenas 1% deste total é reciclado. Todo o restante vai para os aterros, gerando contaminação do terreno e liberação de metano, que é 21 vezes mais potente na geração de efeito estufa do que o CO2. Se todos fizessem o que Erich faz, a coleta diária seria reduzida para 3,4 mil toneladas de resíduos e, com a separação correta dos resíduos, seria possível dimiuir muito mais.
Parto natural e humanizado
Mariana Lettis tem 35 anos, é profissional de comunicação, e deu à luz seu filho Luis Esteban na Casa de Parto de Sapopemba, na zona Leste da cidade.
Mariana queria um parto mais humanizado, com o mínimo de intervenção possível. Isto significa que não tomou anestesia para o nascimento do filho, conduzido pela enfermeira obstetra Maria Yukie Nakamura Takahashi.
Mariana sabia que a gravidez não corria riscos, já que acompanhou o crescimento do bebê com os exames necessários e cuidou de sua alimentação durante a gestação. Quando sua bolsa estourou, ela passou 15 horas na Casa de Parto de Sapopemba esperando a hora certa para o bebê nascer. Se estivesse em um hospital, muito provavelmente seria encaminhada para uma cirurgia cesariana, já que a maioria tem como procedimento não deixar o trabalho de parto ultrapassar 12 horas.
Mariana não precisou vestir camisola de hospital, nem ficar deitada numa posição pré-estabelecida pelos médicos e pelo formato da cama para ter seu filho. Ela pôde ficar sem roupa e posicionar seu corpo da maneira mais confortável para parir. Na hora do nascimento, havia apenas um abajur ligado para auxiliar a enfermeira e um aquecedor para garantir o conforto dela e do bebê.
Uma hora depois de dar à luz, Mariana já conseguia ficar de pé e festejar a chegada do pequeno. Um dia depois do parto teve alta e pôde voltar para casa com seu filho no colo. Não pagou nenhum centavo para parir, já que a casa era pública. Não gerou lixo hospitalar. Gastou pouquíssima energia elétrica. E quer repetir a experiência se tiver um segundo bebê.
Fazendo a conta
A Organização Mundial da Saúde considera aceitável que de 10% a 15% dos partos sejam feitos com cesáreas, que só devem acontecer em caso de complicações durante a gravidez. O Brasil tem uma taxa de 80% de cesáreas, a grande maioria realizada em hospitais públicos. A recuperação, nesses casos, é muito mais lenta, o que faz com que a mãe e o bebê precisem ficar mais tempo no hospital.
É difícil quantificar o impacto ambiental de partos feitos em hospitais, mas é fato que geram, de um lado, uma grande quantidade de resíduos – 85% deles recicláveis e 15% constituído de materiais infectantes e perigosos, que exigem manuseio especial no descarte – e, de outro, demanda de água e energia elétrica para que funcionem 24 horas por dia.
Escola à pé
Marcia Carini tem 36 anos, é jornalista, e escolheu para seu filho, Loretto, uma escola que fica a 600 metros de casa.
Todos os dias, Márcia passa cerca de oito minutos caminhando com o filho de dois anos até a porta do colégio. Só tira o carro da garagem para levá-lo até a escola quando chove ou faz muito frio.
Loretto não é aluno de uma das escolas top de linha de São Paulo, que ficam a pelo menos quatro quilômetros de sua casa. Não vai ser alfabetizado em dois idiomas ao mesmo tempo antes de completar seis anos de idade, nem aprender operações complexas de matemática antes da primeira série do ensino fundamental. Não faz aulas de caratê, judô, nem informática na escola.
Márcia queria um espaço de convivência para onde pudesse levar seu filho à pé, cujos donos parecessem sérios e as professoras carinhosas. A mensalidade barata e o gasto zero com transporte permitem que ela reserve uma graninha para dar ao garoto um outro tipo de educação: aquela que recebemos ao viajar.
Loretto reconhece a imagem da Monalisa, a torre Eifel e o Big Ben porque já viajou até cada um deles, e conhece a história do Monstro do Lago Ness porque já viu o Lago de perto. Ao caminhar para a escola, Marcia deixa de rodar oito quilômetros por dia de carro, o que equivale à emissão de 0,52 toneladas de carbono por ano (ou 0,26 por passageiro se houver duas pessoas no carro). As emissões de uma viagem anual a Paris equivalem a 1,7 toneladas de carbono, divididas com outros cem passageiros – portanto 0,017 por pessoa.
Ela não se angustia por saber que o filho está exposto, na escola, a coisas legais para sua formação e outras nem tanto assim. Prefere que ele conheça o mundo e aprenda a distinguir o que é bacana do que não é.
Fazendo a conta
A pesquisa de origem-destino realizada a cada dez anos na região metropolitana de São Paulo contabilizou, em 2007, 38,1 milhões de viagens realizadas diariamente, 66% feitas com veículos motorizados. Quanto maior a renda familiar, menores são os números de deslocamentos feitos à pé.
Márcia conseguiu fugir à regra matriculando Loretto em uma escola perto de casa. Diminuir a demanda por transporte e por asfalto (que impermeabiliza o solo e contribui com as ilhas de calor) é uma saída para diminuir as emissões de gases do efeito estufa e regular a temperatura da cidade, que chega a ser 6ºC mais quente no centro em relação às estremidades.
Comida local
Vanessa Trielli tem 31 anos, é professora de yoga e conseguiu encurtar a cadeia para comprar alimentos para sua casa.
Quando vai comprar comida, ela sempre opta pela feira do seu bairro ou encomenda cestas de produtos orgânicos em uma empresa chamada Sabor Natural, que entrega tudo em casa. Também procura os produtos que compõem a sua mesa em feiras como a que acontece todos os sábados de manhã no Parque da Água Branca, no bairro da Pompéia, que só vende produtos orgânicos.
Vanessa paga um pouco mais caro por esses alimentos do que pagaria em um supermercado. Mas o impacto de suas refeições para o meio ambiente é muito menor, pois, além de viajar menos, os alimentos são menos embalados, o que gera menos lixo, e são cultivados sem agrotóxicos, danosos ao solo.
Fazendo a conta
Alimentos básicos, como feijão, chegam a viajar 1.500 quilômetros, desde o Rio Grande do Sul, para chegarem até São Paulo. Como a cidade tem uma alta densidade populacional e grande parte do solo contaminado, os alimentos são cultivados em regiões cada vez mais distantes.
De bike para o trabalho
Carolina Pretti tem 25 anos, é fisioterapeuta e usa a bicicleta como meio de transporte.
Todos os dias, Carolina precisa se deslocar por cinco quilômetros para chegar até o trabalho. Ela sabia que esse caminho poderia ser percorrido em cinco minutos de carona no carro do namorado ou 15 minutos de ônibus. Mas descobriu nos últimos meses que dez minutos são suficientes para percorrer a rota de bicicleta.
Carolina não pensa no fato de estar gerando menos gases poluentes ou contribuindo com a segurança de quem pedala pela cidade (quanto mais gente pedalando, mais seguro fica). Ela só sabia que queria versatilidade quando escolheu um modelo de bicicleta dobrável, que pode ser integrada ao transporte público, às caronas do namorado e facilmente transportada em viagens de ônibus e avião. E agora seu bilhete único, carregado com R$ 100, dura quatro meses — antes da bike durava apenas um.
Fazendo a conta
De 1990 a 2005, o Inventário Brasileiro de Carbono mostrou um aumento de 62% nas emissões de gases do efeito estufa em São Paulo. O principal fator é a geração de CO2 pelos veículos a combustíveis fósseis. O número continua subindo, em parte porque a frota de carros da cidade aumenta todos os dias em mil unidades, e em parte porque a média de duração dos deslocamentos diários subiu de 33 para 39 minutos nos últimos dez anos.
Em média morrem oito pessoas por dia, vítimas total ou parcialmente da poluição. A péssima qualidade do ar tira um ano em média da vida de um paulistano.
* Publicado originalmente no portal Isso Não é Normal.
(Isso Não é Normal)