segunda-feira, 23 de maio de 2011

O limite da floresta
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© ARTHUR GROSSET
Trepador-coleira: incapaz de atravessar pastos e estradas
Teste do modelo - O passo seguinte foi testar se o modelo previa a distribuição das espécies que o grupo da USP havia observado no trabalho de campo feito entre 2000 e 2009 no interior paulista, com apoio da FAPESP, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e do Ministério Federal de Educação e Pesquisa da Alemanha. No projeto, os pesquisadores fizeram o levantamento de anfíbios, aves e pequenos mamíferos em três áreas de 10 mil hectares com diferentes graus de mata nativa preservada (50%, 30% e 10%) e em três áreas de mata atlântica contínua na serra do Mar.
Depois de capturar os animais e identificar suas espécies, os pesquisadores os separaram em dois grupos: o das espécies especialistas, que só habitam trechos de mata atlântica; e o das generalistas, capazes de sobreviver tanto na floresta como em áreas modificadas pela ação humana, como plantações e pastagens. A classificação foi essencial para comparar os dados do levantamento com as previsões teóricas sobre o efeito da fragmentação, que deveriam ser observadas apenas  para as espécies especialistas.
No caso dos pequenos mamíferos, das 39 espécies encontradas, 27 eram especialistas. Para estas, os padrões de diversidade observados foram os esperados. Na região com 50% de cobertura nativa, tanto fragmentos grandes como pequenos continham quase todas as espécies achadas na região de mata contínua vizinha. Essas mesmas espécies também estavam na região com 30% de mata, mas concentradas nos fragmentos maiores. Já na região com 10% de floresta, o limiar de desmatamento havia sido ultrapassado e a diversidade era uniformemente baixa: seus fragmentos, independentemente da área, abrigavam de três a cinco vezes menos espécies especialistas do que a região de mata contínua.
Os pesquisadores notaram ainda que, na ausência de espécies especialistas, as populações das espécies generalistas explodiram na região com 10% de mata. Em áreas com 50% de floresta foram capturados 63 roedores Oligoryzomys nigripes, uma espécie generalista, enquanto o número saltou para 409 na região com menos mata. O dado preocupa. Esse roedor é o principal reservatório na mata atlântica do vírus causador da hantavirose humana e sua presença em pastos e plantações pode aumentar o risco de contágio das pessoas.
Esse é só um exemplo do impacto que a perda de biodiversidade pode ter sobre a saúde e a qualidade de vida humanas. Outros serviços prestados pelos ecossistemas naturais, como a polinização de plantações e o controle de pragas agrícolas, também podem desaparecer. “Não queremos preservar a biodiversidade para manter museus vivos, mas para manter os serviços que os ecossistemas desses remanescentes prestam”, diz o ecólogo Thomas Lewinsohn, da Universidade Estadual de Campinas, que não participou da pesquisa.
Para Lewinsohn, o trabalho dos grupos de Renata e de Metzger representa um salto qualitativo na ecologia, por combinar um estudo de campo difícil de realizar, com um modelo teórico que explora as consequências finais de diferentes efeitos, antes discutidos de maneira separada pelos pesquisadores que investigam a redução e a fragmentação de ambientes naturais em todo o mundo. “Eles deram uma contribuição importante para o entendimento das consequências da perda de florestas para a biodiversidade”, comenta o ecólogo Ilkka Hanski, da Universidade de Helsinque, na Finlândia, pioneiro na pesquisa do impacto das transformações no hábitat sobre comunidades de plantas e animais. “Esse estudo deve se tornar altamente influente na biologia da conservação.”