Cientistas debatem avanços em oceanografia, como o uso de marcadores orgânicos e o “Paradoxo do Ártico”, em evento que também teve conferência sobre novo navio oceanográfico que será adquirido com recursos da FAPESP e gerenciado pela USP (Eduardo Cesar/FAPESP)
Agência FAPESP – A FAPESP e a Fundação Bunge realizaram nesta segunda-feira (12/09), em São Paulo, o Simpósio Científico sobre Oceanografia e Defesa Sanitária Animal e Vegetal.
O evento, realizado no auditório da FAPESP, debateu avanços obtidos nas áreas de Oceanografia e Defesa Sanitária Animal e Vegetal, que foram tema do Prêmio Fundação Bunge 2011. A premiação será realizada nesta terça-feira (13/9), às 19h30, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.
O simpósio sobre Oceanografia, apresentado na parte da manhã, teve palestras dos vencedores do prêmio nas categorias “Juventude” e “Vida e Obra”.
Michel Michaelovitch de Mahiques, diretor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), apresentou ainda a conferência “Projeto Alpha Crucis”, sobre o novo navio oceanográfico que será adquirido com recursos da FAPESP e gerenciado pela USP.
O presidente da FAPESP, Celso Lafer, destacou a importância da oceanografia no contexto contemporâneo mundial de mudanças ambientais. “A área de oceanografia gera conhecimento e é fundamental para que possamos lidar com os obstáculos que surgirão neste século e para que o homem possa tomar o controle de seu próprio destino”, disse.
Iniciativas como o investimento da FAPESP no novo navio oceanográfico, que deverá iniciar suas atividades no início de 2012, fazem parte de um projeto de incremento da capacidade de pesquisa do Estado de São Paulo nessa área, segundo Lafer. “A aquisição do navio é uma oportunidade para aumentar o repertório do conhecimento na área da oceanografia”, afirmou.
De acordo com Jacques Marcovitch, presidente do conselho administrativo da Fundação Bunge, o tema da oceanografia tem forte impacto em uma das áreas nas quais o Brasil tem mais responsabilidades no contexto global: o meio ambiente.
“Em 2012, o Brasil terá a oportunidade, na Conferência Rio+20, de mostrar o que foi capaz de fazer nesses 20 anos na área ambiental. É importante que isso seja apresentado para todo o mundo, a fim de que a sociedade internacional veja o nosso país como um exemplo de defesa da natureza aliada ao bem-estar da sociedade”, destacou.
Premiado na categoria “Juventude” do Prêmio Bunge, César de Castro Martins, professor do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná (UFPR), apresentou uma conferência sobre seus estudos, ao longo dos últimos 11 anos, que utilizaram determinados compostos químicos como marcadores orgânicos a fim de realizar estudos oceanográficos e ambientais.
“Os marcadores orgânicos são substâncias associadas diretamente à queima de combustíveis fósseis, esgoto e diversas fontes de matéria orgânica. A complexidade de sua estrutura faz com que esses compostos fiquem no ambiente por longo tempo, com alta estabilidade química e resistência aos processos de degradação. Com isso, eles podem ser usados como marcadores para mudanças ambientais em escala de tempo geológica, o que nos permite entender alterações relacionadas às atividades humanas ou processos de origem natural ao longo de dezenas de milhares de anos”, explicou.
Martins apresentou os resultados de estudos nos quais marcadores orgânicos e geoquímicos foram utilizados para avaliar a intensidade das mudanças ambientais ocorridas ao longo do tempo nos estuários de Santos (SP) e Paranaguá (PR) e na península Antártica, possibilitando a avaliação de seu impacto.
“Por meio da medição de concentrações de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos [HPA], conseguimos reconstruir o histórico das atividades antrópicas ao longo de cem anos em Santos e em São Vicente”, disse.
Segundo ele, a partir de amostras de até três metros de sedimentos extraídas do leito dos estuários, foi possível identificar que houve uma baixa concentração de HPA até 1950 – provavelmente resultante de queima de biomassa vegetal para abertura de áreas agrícolas.
“O aumento da concentração de HPA coincidiu com o aumento da atividade industrial, em 1950. Há um ápice na época do milagre econômico, na década de 1970, e uma diminuição da concentração durante a época da crise mundial de petróleo, decorrente da diminuição da queima de combustíveis fósseis”, afirmou.
A partir da década de 1990, segundo Martins, houve uma queda das concentrações de HPAs, possivelmente relacionada a uma resposta a ações de monitoramento ecológico e preservação ambiental. Um trabalho semelhante está sendo realizado na área de Paranaguá.
“Com o uso de marcadores parecidos, fizemos um estudo semelhante para avaliar o descarte de esgoto na estação de pesquisa brasileira instalada na Antártica. Descobrimos que o período de concentração de HPA mais alta corresponde à época da implementação das estações científicas do Brasil e da Polônia”, disse.
Paradoxo do Ártico
O premiado na categoria “Vida e Obra” do Prêmio Bunge 2011 de Oceanografia foi Luiz Drude de Lacerda, professor do Laboratório de Biogeoquímica Costeira da Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Transferência de Materiais Continente-Oceano.
Lacerda apresentou a teoria conhecida como “Paradoxo do Ártico”, segundo a qual os rios da região do semiárido brasileiro passam por um processo semelhante ao observado nos rios da região Ártica – uma das mais afetadas pelas mudanças climáticas globais.
No Ártico, de acordo com Lacerda, um aumento generalizado da temperatura afeta o degelo, “prendendo” as massas de água dos rios por mais tempo nas zonas de estuários. Com isso, há um aumento da mobilização e incorporação biológica de poluentes, incluindo o mercúrio.
“A teoria foi construída a partir de dados que jamais imaginamos que poderiam nos levar a uma nova teoria. Logo no início de nossos trabalhos no Nordeste ficamos surpresos em relação aos níveis de mercúrio encontrados nos rios, que eram comparáveis a zonas do Sudeste onde a atividade antrópica é muito maior. Não havia explicação para essa quantidade de mercúrio”, afirmou.
Os cientistas, entretanto, perceberam que havia semelhanças inesperadas entre a hidrodinâmica dos rios nordestinos e dos rios árticos, onde também há altos níveis de mercúrio. No Ártico, o mar congelado bloqueia o fluxo de água doce no inverno e o libera no verão. No Nordeste, é a própria maré que invade as áreas de manguezais e bloqueia o baixo fluxo de água dos rios. Eles ficam barrados por até oito meses ao ano.
“O modelo conceitual mostra semelhanças muito grandes entre os dois contextos. Com o aumento do tempo de residência da massa de água na região do estuário, há uma mobilização maior de mercúrio biodisponível. Isso permite uma aceleração dos biogeoquímicos de transformação do mercúrio, em especial a metilação e a complexação orgânica”, afirmou.
Os estudos realizados no rio Jaguaribe, no Ceará, mostraram que há um aumento da exportação de mercúrio biodisponível nos períodos de seca, quando ocorre maior tempo de residência das águas no estuário.
“O fenômeno tem se intensificado com as mudanças climáticas globais. E sabemos desde o início dos estudos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) que há uma redução de chuvas no Nordeste de cerca de 5,6 milímetros ao ano, em média. A redução pode ser três vezes mais severa na estação seca. Além das mudanças climáticas, a diminuição da quantidade de água disponível – com a construção de número cada vez maior de barragens – intensifica ainda mais o processo. O fenômeno já está em curso e a previsão é que ele aumente”, destacou Lacerda.