Nova resolução da Aneel permite que consumidor produza energia renovável e repasse a sobra para a rede distribuidora, pagando menos na conta de luz. Incentivo fiscal e isenção de impostos ficam de fora da medida.
Nos pés da Serra do Mar, em Ubatuba, os moradores de uma ecovila produzem sua própria energia desde a fundação do lugarejo, em 1999. Inicialmente, placas fotovoltaicas abasteciam as tomadas. Desde 2009, uma microturbina hidrelétrica garante eletricidade às famílias que moram no local e ao escritório do Ipema (Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica).
Computadores, impressoras, datashow, máquinas de lavar roupa, liquidificadores, televisões, lâmpadas: tudo funciona com a energia produzida localmente, exemplifica o arquiteto Marcelo Braga, fundador do Ipema. A comunidade gera mais do que consome e tem uma sobra de energia durante a noite – quando quase tudo está desligado da tomada – e que é perdida.
Mas uma mudança na lei brasileira começa a desenhar um novo cenário. O consumidor que produz energia de fontes renováveis em casa pode injetar o excesso na rede da distribuidora local. As novas diretrizes foram aprovadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e valem desde a última quinta-feira (19/04).
As normas se aplicam a microgeradores (até 100 KW) e minigeradores (de 100KW a 1MW) que usam fontes renováveis – solar, eólica, hídrica ou de biomassa. Em vez de dinheiro, o produtor que injetar energia na rede da distribuidora ganha um crédito, que pode ser abatido na conta de energia dos meses seguintes, com prazo de até três anos.
A agência do governo vê vantagens na iniciativa: "Economia dos investimentos de transmissão, redução das perdas nas redes e melhoria da qualidade do serviço de energia elétrica", respondeu a Aneel, por email, à DW Brasil.
Na conta do consumidor
A política foi saudada por especialistas do setor. "A distribuidora vai diminuir a necessidade de investimento na rede de transmissão, já que uma parte da produção será do próprio consumidor", avaliou Nivalde J. de Castro, coordenador do grupo de estudos do setor de energia elétrica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Segundo ele, a decisão favorece um uso mais eficiente da energia elétrica, pois os consumidores não são mais obrigados a comprar das distribuidoras tudo o que consomem e a necessidade de investir em grandes hidrelétricas e parques eólicos diminui.
Mas quem vai pagar a conta, inicialmente, é o pequeno produtor: o investimento na compra de equipamentos é por conta própria. A distribuidora não precisa arcar com os custos de adequação, ou seja, da instalação do sistema de medição. E não há qualquer incentivo fiscal para que o consumidor se transforme num produtor de energia renovável.
"O governo deveria dar isenção de imposto para aquecedor solar, painel fotovoltaico", opina Braga. Segundo ele, um modelo barato e de potência média de aquecimento de água custa entre 1.000 a 1.500 reais e um muito bom, até 5.000 reais. "Quando o consumidor faz as contas, ele prefere não gastar tanto e continuar pagando pela energia da distribuidora", diz Braga.
E essa é a grande diferença entre a norma brasileira e a política alemã, que também serviu de inspiração para o Brasil. No caso da Alemanha, os consumidores receberam incentivo para produzir em casa energia renovável. No caso do Brasil, o consumidor não ganha dinheiro ao injetar energia na rede. "Ou seja, o consumidor que virar produtor nunca vai receber recursos da distribuidora, o máximo será diminuir a conta mensal de luz", ressalta Nivalde.
Pioneirismo alemão
Em 1990, a aprovação na Alemanha de uma lei de eletricidade começou a colocar em evidência o papel das pequenas centrais geradoras de energia renovável. A norma obrigou as operadoras a conectar esses produtores à rede e a comprar essa energia no regime de tarifa feed-in.
Segundo esse sistema de preços, toda a energia produzida a partir de fontes renováveis é injetada na rede, inclusive a dos pequenos produtores. A distribuidora é obrigada a pagar um valor maior por esse tipo de energia do que, por exemplo, pela oriunda de centrais nucleares – um negócio que pode ser lucrativo para o pequeno produtor.
O impacto foi imediato: uma grande expansão do mercado de fontes renováveis, como ressalta estudo de caso feito pelo Ministério brasileiro de Minas e Energia. Os dados mais recentes do governo alemão, referentes a 2010, mostram que o país dispõe de uma capacidade instalada de energia oriunda de fontes renováveis de 55.596 MW, ou 17,1% do total produzido no país.
Impacto no Brasil
A Aneel espera que a norma no Brasil gere um efeito parecido. "A expectativa é que a iniciativa ajude a impulsionar o desenvolvimento sustentável do setor elétrico brasileiro, com aproveitamento adequado dos recursos naturais e utilização eficiente das redes elétricas", declarou a agência.
O grupo liderado por Nivalde faz ressalvas. "Avaliamos que não terá um impacto tão grande", diz o especialista, apontando como causa a ausência de incentivo fiscal. "Os primeiros consumidores interessados nessa política devem ser grandes condomínios ou conjuntos residenciais com vários edifícios", completa.
Sobra a demora para implementar uma resolução que estimule a produção descentralizada de energia elétrica a partir de fonte renovável, Nivalde comenta: "O Brasil só faz isso agora porque sempre dispôs de recursos energéticos em abundância – hidrelétricos, eólicos e agora seremos grandes produtores de gás."
Braga prefere esperar um pouco para decidir se a ecovila em Ubatuba irá se conectar à rede de distribuição. Mas como produtor da própria energia há mais de dez anos, o arquiteto já sabe: "A saída para o Brasil crescer e atender à demanda dos consumidores, que cresce a cada dia, é descentralizar a produção de energia".
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Alexandre Schossler