Estudo avalia o impacto real de vegetações nativas e cultivadas das Américas sobre a temperatura global
REVISTA PESQUISA FAPESP/EVANILDO DA SILVEIRA | Edição 193 - Março de 2012
Quantificar o real efeito do desmatamento e das atividades agrícolas na temperatura média do planeta é o principal resultado de um trabalho realizado por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos e publicado na edição de março da revista Nature Climate Change. O conhecimento mais acurado do impacto dos ecossistemas terrestres sobre o clima se tornou possível agora porque os pesquisadores incluíram nos cálculos dois fenômenos que costumavam ser deixados de lado: a evapotranspiração (perda de água por evaporação e transpiração das plantas) e a absorção de energia solar pela vegetação. Esses fenômenos de natureza biofísica influenciam a regulação do clima local e afetam o clima global, mas eram desconsiderados. Os trabalhos anteriores, usados para traçar políticas de proteção do ambiente, só incluíam os dados sobre absorção ou liberação de gases de efeito estufa, os chamados mecanismos biogeoquímicos, que têm efeitos globais.
No estudo da Nature Climate Change os pesquisadores conseguiram condensar os efeitos biofísicos e biogeoquímicos num único índice, mais abrangente, batizado declimate regulation values (CRV). “Esse índice contabiliza os estoques de carbono e sua troca líquida nos ecossistemas, a emissão de óxido nitroso e de metano e considera também os efeitos da evapotranspiração e da absorção de energia solar associados a cada tipo de vegetação”, explica Santiago Cuadra, pesquisador do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca do Rio de Janeiro (Cefet/RJ), um dos autores do artigo.
Os resultados obtidos com o novo índice reforçam a importância da proteção às florestas tropicais e mostram que as matas boreais têm um efeito relativamente pequeno sobre a temperatura média do planeta. Indicam também que as culturas para a produção de bioenergia – como a da cana-de-açúcar, do milho e das gramíneasMiscanthus giganteus e Panicum virgatum, usadas para gerar etanol – podem apresentar impacto positivo sobre o clima, quando consideradas a perda de água, que reduz a temperatura na área dessas plantações, e a absorção da energia do sol pelas plantas. “É importante ressaltar que, de modo geral, as matas nativas têm um papel de resfriamento próximo ao solo maior do que as culturas agrícolas e bioenergéticas”, explica o pesquisador Marcos Heil Costa, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), outro autor do artigo. “A exceção mais notória são as coníferas canadenses, pois devido à grande quantidade de neve nessa região a presença das árvores tende a aquecer a região, ao invés de resfriar.”
Florestas e plantações
O trabalho é um desdobramento de outro anterior. Em um artigo publicado em 2000 os pesquisadores haviam demonstrado que, em regiões sob forte desmatamento, como a Amazônia, o aquecimento causado por meio da menor liberação de água e absorção de radiação solar é várias vezes superior ao que é originado pela elevação da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. “Outros autores confirmaram esses resultados para diversos tipos de mudança de uso do solo”, conta Costa. “A discussão evoluiu ao ponto de propormos neste artigo o CRV para os ecossistemas naturais e agrícolas, que é compatível com o índice de dióxido de carbono equivalente de efeito estufa.”
O CRV demonstra qual seria o aumento de gases de efeito estufa na atmosfera e quanto seria alterada a temperatura próximo à superfície do solo por causa da perda de água e absorção de energia do sol pelas plantas. Dessa forma permitiu comparar como as diferentes vegetações (naturais e agrícolas) influenciam o clima, assim como quais delas são mais efetivas em reduzir as alterações climáticas.
No total foi avaliado o impacto de 18 ecossistemas das Américas: 12 naturais e seis agrícolas com potencial para a produção de biocombustíveis. Entre os primeiros estão a floresta amazônica e o cerrado no Brasil e as matas tropicais decíduas (que perdem as folhas no outono) da América do Sul. Dos Estados Unidos foram incluídas as florestas temperadas de coníferas das montanhas do oeste e da costa noroeste, as decíduas temperadas no leste e as mistas no nordeste, além do deserto do sudoeste, da pradaria das grandes planícies e do chaparral (vegetação rasteira) da Califórnia. No Canadá, foram analisadas florestas mistas no sudeste e a boreal, além da tundra.
Quanto às plantações voltadas para a produção de bioenergia, foram estudadas a de cana-de-açúcar no Brasil e a de soja no Brasil e nos Estados Unidos. Lá foram pesquisadas ainda duas gramíneas, Miscanthus giganteus e Panicum virgatum, usadas na fabricação de biocombustíveis. Todos os 18 ecossistemas foram comparados com uma superfície sem cobertura vegetal, que serviu de referencial.
O grupo avaliou o quanto cada sistema contribuiria num período de 50 anos para elevar a temperatura da atmosfera. Os resultados mostram que, para a maioria deles, a perda de água e a absorção de energia do sol aumentam o valor dos serviços de regulação do clima, o CRV. Isso significa que a remoção da cobertura vegetal desses ecossistemas eleva a temperatura da atmosfera por emitir gases de efeito estufa e também por reduzir o resfriamento provocado pela presença da vegetação.
“Para a floresta amazônica, o aumento foi de 12%”, revela Kristina J. Anderson-
-Teixeira, da Universidade de Illinois, a autora principal do artigo. “Para o cerrado, o aumento foi de 9%. Mas para alguns ecossistemas eles reduziram o valor total do serviço. Isso ocorreu, por exemplo, com as matas boreais do Canadá (-115%) e o deserto do sudoeste dos EUA (-123%).”
Artigo científico
ANDERSON-TEIXEIRA, K.J. et al. Climate-regulation services of natural and agricultural ecoregions of the Americas. Nature Climate Change. 8 jan. 2012.