NOS BRAÇOS DA SELVA
Difícil colocar em palavras tudo o que vivi em dez dias durante a III Expedição Científica à Terra do Meio, realizada no início de dezembro de 2010. Passamos cinco dias em uma área remota dentro da mata fechada sabe-se lá há quanto tempo intocada, vista ou pisada por outros seres humanos. Estamos na Terra do Meio, área cujas fazendas de pecuária competem covardemente com o verde ainda exuberante do que resta de floresta amazônica. Os sufocos dos bastidores no início da expedição você conhece.
Após meses de organização, estava tudo pronto para o início da III Expedição Científica à Terra do Meio em dezembro de 2010, resultado de uma parceria entre o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e WWF-Brasil. O destino foi o Parque Nacional Serra do Pardo, considerado pelo Programa Nacional de Diversidade Biológica (Pronabio) uma daritárias para conservação da biodiversidade no estado do Pará.
O parque tem 445 mil hectares e é uma unidade de conservação de proteção integral localizada entre Altamira e São Félix do Xingu, em uma região conhecida como “Terra do Meio”. O parque foi criado em 2005, quando o governo federal criou outras unidades de conservação na região como estratégia para tentar frear o desmatamento no sul do Pará, estado que mais devasta a Amazônia no Brasil.
O objetivo principal da ida à Serra do Pardo era a coleta de dados para subsidiar a elaboração de seu plano de manejo. “A ideia é transformá-lo em uma unidade autosustentável, com atividades que gerem renda e atuem na sua conservação” explica Marcos Rocha, do ICMBio e gestor do parque. “A expedição também é estratégica para a criação de um mosaico de unidades de conservação na Terra do Meio”, complementa Estevão do Prado Braga, da WWF.
Por causa do tempo corrido, a metodologia de pesquisa utilizada foi a Avaliação Ecológica Rápida (AER), capaz de detectar rapidamente bioindicadores e diversidade de espécies. O grupo de cientistas era composto por equipes especializadas em vegetação, peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Eles deveriam visitar três bases com características bastante diferenciadas entre si.
Para definir quais seriam as áreas estudadas na Terra do Meio, Roberto Antonelli Filho, coordenador científico das expedições, analisou imagens de satélite e fez 25 horas de sobrevoos. “No parque existe um passivo ambiental grande devido à pecuária e retirada ilegal de madeira”, explica. Em 2005 eram mais de 40 fazelegais dentro de sua área. Com as atividades embargadas, algumas deixaram de existir, outras 17 foram autuadas e atualmente restam cinco ainda ilegais.
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BASE 1
A base 1 foi o destino da primeira parada. Voar sobre a floresta nos dá uma ideia ainda melhor de sua beleza e proporções gigantescas. Durante o trajeto, antigas fazendas de gado destoaram das áreas intactas, mas revelaram a regeneração que começa a aparecer.
Na base 1 foi possível encontrar também um ambiente típico de ecossistemas sul-amazônicos formado por floresta ombrófila aberta com palmeiras e cipós. A vegetação está preservada, possui espécies da região Xingu-Tapajós, além de morros isolados.
Tivemos que conviver com a escassez de água – o igarapé mais próximo havia secado. O Exército, então, nos abasteceu com água limpa e potável retirada do rio Xingu e a chuva cumpriu a outra metade da tarefa no estoque do líquido precioso. Banhos eram tomados com água misturada com argila ao redor de um poço cavado pela logística ou então no rio Pontal, a 2,5 km de onde ficava o acampamento. Foi para lá que aconteceu minha primeira saída no meio da mata, ao acompanhar o trio da ictiofauna.
Os três pesquisadores encontraram duas espécies endêmicas do Xingu (Jacundá - Teleocichla centrarchus e Armado - Platydoras sp.n.), além de uma nova e não descrita (Crenicichla, do grupo wallacii). Em dois dias, foram registradas pelo menos 65 espécies de peixes, mais de 180 de aves, diversos mamíferos como macacos (prego, bugio, aranha de cara branca), veado, tatu, anta, queixada, além de onça parda e pintada. Foram identificadas 26 de árvores em 2.400 metros quadrados (cerca de 500 por hectare). A equipe de anfíbios coletou cobras e um sapinho que só vive em áreas bem preservadas, o Adelphobates castaneoticus.
No terceiro dia pela manhã, levantamos acampamento: bagagens arrumadas, toldos recolhidos do teto, cozinha empacotada, laboratório de campo desfeito. O telefone por satélite toca. O segundo helicóptero apresentou um problema no sensor e não poderia nos transportar para a base 2. Recolocamos tudo no lugar e, por opção, decidimos almoçar apenas depois de partir novamente para o mato – a pesquisa precisava continuar.
Em uma trilha diferente da que levava até o rio, desta vez subimos a 370 metros de altitude sobre uma das montanhas que havia ao nosso redor. Enquanto passo batido ao lado de uma árvore, o pesquisador Frederico Gemésio para: viu nela um arranhado de onça pintada. Na volta do trajeto, Antonio Sergio Lima da Silva (um dos botânicos do Goeldi), escorrega e quebra o pé. “Em 36 anos de campo, nunca me aconteceu isso!”, conta. Felizmente o sensor do helicóptero já estava funcionando e ele foi resgatado. O restante das pessoas partiria apenas no dia seguinte.
Os imprevistos fizeram Antonelli mudar os planos de pesquisa. Não passaríamos pela base 2, repleta de castanhais e cuja vegetação se assemelha à base 1. Partiríamos direto para a base 3, o gran finale desta expedição, o lugar mais esperado por todos os cientistas por ser completamente diferente do que havíamos visto até então.
BASE 3
Estamos na Amazônia em uma serra típica do planalto central, com vegetações semelhantes a ambientes mais áridos e formações características do Cerrado. Estas peculiaridades têm explicação. A Serra do Pardo é formada por rochas sedimentares e resultado de movimentações de placas tectônicas. Por meio da dispersão de sementes, a vegetação passou a crescer nas rachaduras das rochas, que se desagregaram. Aliadas à matéria orgânica, deram início ao solo, ainda em formação naquela área.
“As duas bases são radicalmente diferentes. Na 1, a diversidade é elevada. Na 3 é menor para peixes, encontramos 4 espécies em uma coleta. No entanto, esperamos por raridades”, explica Jansen Zuanon, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). A equipe de botânica ressalta a diferença tipológica da vegetação. “Na base 1 ela é alta, sombreada, úmida. Na 3, predominam ervas e arbustos. Coletamos mais de 40 espécies em um dia”, conta Dario Amaral, botânico do Goeldi. De forma geral, os pesquisadores concordam que ambas bases são ricas em termos de biodiversidade.
Desta vez, não tivemos problemas com água – o acampamento ficava em frente a um belo rio que rumava a uma cachoeira de 30 metros de altura. Tive que me separar dos pesquisadores e voltar para casa depois de um dia e meio na base 3, mas o suficiente para compreender que a Amazônia é muito maior, bela e cheia de vida do que imaginamos. No começo de 2011, o relatório desta expedição será finalizado. Sem dúvidas, o Parque Nacional Serra do Pardo é um lugar que precisa ser conservado.
http://oecoamazonia.com/br/reportagens/brasil/111-nos-bracos-da-selva
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