quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

POR UM FIO DE CABELO

Testes revelam como cosméticos, em muitos casos, danificam o cabelo
© RITA WAGNER/LME-IFUSP
Danos evidentes: lavagem com xampu acelera destruição das cutículas

Enrolado em forma de concha, o penteado da atriz Kim Novak em Um corpo que cai é um ícone do poder de sedução do cabelo. No suspense de 1958 de Alfred Hitchcock, seu coque louro-platinado arrebatou o coração do detetive interpretado por James Stewart, em uma cena que não se restringe às telas de cinema. No mundo todo cabelos fartos e brilhantes atraem a atenção de homens e mulheres e são considerados símbolo de juventude, saúde e poder – inclusive por pesquisadores brasileiros que começam a descobrir como os cosméticos agem sobre os fios. 


Assim como o personagem bíblico Sansão perdeu sua força descomunal quando Dalila mandou cortar-lhe os cabelos, a queda progressiva dos fios reduz a auto-estima, faz as pessoas se sentirem menos atraentes e as torna socialmente retraídas – problema que, segundo estudos europeus, afeta mais intensamente as mulheres e os homens mais jovens. Além da importância para o bem-estar psicológico, comenta a dermatologista Fabiane Mulinari Brenner, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o cabelo está impregnado de significados socioculturais.

 O estilo definido por um corte ou penteado indica a que grupo social uma pessoa pertence e, por vezes, a posição que ocupa, motivo por que em geral se impõe a raspagem dos cabelos a recrutas militares, criminosos e prisioneiros de guerra como forma de eliminar a individualidade e subjugá-los à autoridade, lembra o psicólogo norte-americano Thomas Cash em análise sobre o assunto publicada anos atrás.

Ante tantos valores atribuídos à cabeleira, parece natural que quem exibe cabelos atraentes queira preservá-los – e quem não tem queira transformá-los em madeixas à la Gisele Bündchen ou Rodrigo Santoro – com a ajuda de xampus, condicionadores e outros tratamentos de beleza. A indústria de cosméticos, claro, há tempos identificou esse filão e investe pesado no lançamento de produtos que prometem restaurar os fios ou deixá-los mais volumosos e brilhantes, como se nota nas revistas femininas ou nos comerciais de televisão. Os dados mais recentes da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, que reúne as maiores empresas dessa área, reafirmam o sucesso comercial do setor: a produção de cosméticos para cabelos cresceu cerca de 50% de 2003 a 2006, alcançando 458 milhões de toneladas, e as vendas mais que dobraram, atingindo US$ 2,2 bilhões no ano passado. Mas será que todos esses produtos de fato funcionam?

A resposta que começa a emergir de estudos conduzidos por instituições de pesquisa sem conexão com a indústria nem sempre agrada os fabricantes de cosméticos. Em alguns casos, corrobora impressões que as mulheres adquiriram ao longo de anos em salões de beleza; em outros, destrói mitos sedutores construídos por campanhas publicitárias. Testes feitos pela equipe da química Inés Joekes, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostram que xampus e condicionadores funcionam para limpar os cabelos e deixá-los mais fáceis de pentear, mas não promovem a recuperação dos fios danificados a que se propõem diversos produtos. Nem poderiam. 

“O fio de cabelo é um tecido morto, incapaz de se regenerar depois de formado”, lembra Fabiane, especialista em doenças do couro cabeludo. Por essa razão, a melhor forma de manter uma cabeleira vistosa e bem-nutrida é por meio de uma dieta equilibrada e rica em proteínas e ácidos graxos, afirma a dermatologista paranaense. Há quatro décadas pesquisas demonstraram que a carência de nutrientes como o ferro favorecia a queda de cabelos, mesmo em mulheres que não sofriam de anemia, além de deixar a pele e os próprios cabelos ressecados, com a textura de palha. Mais recentemente estudos associaram a carência do aminoácido lisina – um dos componentes das proteínas, encontrado em carnes vermelhas, peixes e ovos – à perda desses preciosos fios. Dona de longas mechas castanhas, Fabiane adverte, porém, que é preciso cuidado com os excessos: “Vitamina A além do recomendado aumenta a queda de cabelo e não deve ser consumida sem orientação de um médico ou nutricionista”.
O simples uso diário de xampu faz mais do que eliminar as partículas de sujeira, de poluição e o sebo do couro cabeludo que se acumula nos fios. Ele é tão eficiente que remove até mesmo pequenas partes do próprio fio, contribuindo para produzir danos microscópicos em sua estrutura, alterar a cor e torná-lo mais quebradiço, em especial nas pontas, como comprovaram Inés e a química Carla Scanavez. 

Em experimentos no laboratório de físico-química aplicada da Unicamp, Carla decidiu verificar o que cuidados simples diários, como a lavagem com xampu, a escovação e o uso de secador, faziam com o cabelo. Em uma primeira bateria de testes, ela colocou mechas de cabelos castanhos que nunca haviam passado por tratamento químico de molho por 8, 16, 24 e 32 horas em um recipiente com água a 40 graus Celsius e uma pequena dose do principal componente ativo dos xampus, o detergente lauril sulfato de sódio. Analisando os fios ao microscópio eletrônico, Carla constatou que a partir de 16 horas de lavagem – ou dois meses de banhos diários de 15 minutos – surgiram buracos e trincas na cutícula, a parte mais externa dos fios, composta por 6 a 18 camadas de placas sobrepostas como escamas.

da Agência FAPESP