Em ebulição
Ano Internacional da Química mostra a ciência dos átomos no dia a dia
Carlos Fioravanti
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Os químicos deixaram de lado a habitual discrição para fazer de 2011 o Ano Internacional da Química. Lançado oficialmente em 27 de janeiro em Paris, com apoio da Unesco, o braço das Nações Unidas voltado à educação e ciência, e da União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac), o ano consiste de uma série de eventos a serem realizados em vários países, incluindo o Brasil.
Aqui a programação prevê exposições itinerantes sobre o papel histórico e atual da química, lançamentos de livros e de materiais didáticos, encontros com expoentes da química brasileira e mundial e palestras organizadas em conjunto pela Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e por Pesquisa FAPESP em São Paulo, com início previsto para abril. Outras atividades para o público em geral ocorrerão também em outras cidades, como no Rio de Janeiro, em Florianópolis, designada Ilha da Química, e em Teresina, que abrigará a Olimpíada Ibero-americana de Química.
Por meio dessas atividades, os químicos pretendem apresentar a química – normalmente ofuscada pelos grandes projetos internacionais da biologia e da física – como uma área de conhecimento essencial para a preservação da vida e para a continuidade de vários outros campos da pesquisa científica. Por estudar a composição e as características dos elementos que constituem a matéria conhecida – gás, líquido ou sólido –, a química como ciência central permeia a física, a biologia, a medicina e a engenharia.
No dia a dia, o conhecimento sobre interações moleculares se traduz na forma de alimentos, bebidas, higiene, medicamentos, combustíveis, roupas e materiais usados em automóveis, aviões, celulares e computadores. O banho-maria, uma forma de aquecer alimentos e líquidos indiretamente, por meio de um recipiente com água aquecido no fogo, é uma herança dos primeiros químicos, os alquimistas. O alambique, indispensável para a fabricação de uma boa cachaça, provém dos alquimistas árabes.
Mulheres – Um dos propósitos do Ano Internacional da Química é apresentar essas contribuições para o bem-estar das pessoas e, ao mesmo tempo, diluir os preconceitos negativos que cercam a química. “Muitas pessoas ainda dizem que alimentos sem química não fazem mal ou associam a química a guerras e destruições”, diz Vanderlan Bolzani, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Química e uma das organizadoras do Ano Internacional da Química no Brasil. “Mas não há nada no dia a dia que deixe de expressar o conhecimento acumulado pelos químicos ao longo de séculos.”
O ano é também uma homenagem ao centenário do segundo Prêmio Nobel recebido pela cientista de origem polonesa Marie Sklodowska Curie. Ela nasceu em uma família pobre na Polônia em 1867, viveu em Paris e se destacou em um ambiente acadêmico dominado pelos homens a ponto de ter sido a primeira mulher a receber um Nobel e a primeira pessoa a receber duas vezes o Nobel em áreas diferentes.
O primeiro, de Física, foi em 1903, ao lado de Pierre Curie e Antoine Henri Becquerel, pelos estudos pioneiros da radiação, identificada por Becquerel. O segundo, de Química, em 1911, pela descoberta de dois elementos químicos, o polônio e o rádio. Uma parte das atividades programadas deve apresentar as contribuições das mulheres para a ciência.
No Brasil, o Ano da Química representa novas possibilidades de aproximação entre os químicos que trabalham em universidades e institutos públicos de pesquisa com os químicos que trabalham no setor industrial, representados pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), com quem Vanderlan e outros organizadores dos eventos deste ano no Brasil planejam atividades em conjunto para aumentar o interesse e o entusiasmo dos jovens pela química.
“A indústria química brasileira, hoje um setor de grande vitalidade e importância econômica, demanda profissionais químicos cada vez mais bem formados”, diz ela. “Por essa razão, alguns cursos com currículos ainda distantes do mundo da indústria necessitam ser repensados. O profissional químico deve ser bastante eclético e familiarizado com outras áreas, como a biologia e a toxicologia, para avaliar os eventuais riscos dos produtos químicos à saúde humana ou ao ambiente.”
Ela acredita que a SBQ, a Abiquim, a Associação Brasileira de Química (ABQ) e outras instituições ligadas a essa área “poderão auxiliar na construção de uma ciência que responda ao conteúdo da temática do Ano Internacional, Química: nossa vida, nosso futuro”.
Outro grupo que está ganhando mais atenção são os professores de química do ensino médio. Com apoio dos ministérios da Educação e da Ciencia e Tecnologia, a SBQ pretende imprimir e pôr em cada sala de aula a tabela periódica dos elementos químicos, um material básico, mas nem sempre à mão, para fazer da química algo mais atraente nas escolas.
Não é a primeira vez que os professores universitários de química olham para os colegas do ensino médio. Desde 1995 a SBQ publica a Química nova na escola, revista trimestral com materiais de apoio às aulas de química. “As aulas de química do ensino médio, que podem formar novos cientistas para essa área, não têm de ser apenas abstratas, nem chatas”, assegura Vanderlan.
“Precisamos de mais químicos, não só ousados, criativos e entusiasmados, mas também conscientes do papel deles como cidadãos, diante dos problemas sociais e ambientais que temos pela frente.” As atividades nacionais podem ser acompanhadas pelo site da SBQ (www.quimica2011.org.br). A programação completa encontra-se no site do Ano Internacional da Química (www.chemistry2011.org).