Cultivo de hortaliças, plantas ornamentais e |
No senso comum, "rural" e "urbano" são termos que envolvem percepções espaciais geográficas díspares, principalmente quando se reflete sobre as atividades econômicas que caracterizam esses espaços. Mas, em regiões como a amazônica, que vive um processo de urbanização acelerado, estabelecer fronteiras entre o rural e o urbano é tarefa difícil. O aparecimento de grandes contingentes populacionais em cidades com baixa oferta de emprego estimula a diversificação das formas de produção e de modos de vida.
Assim, a agricultura, por exemplo, atividade tipicamente rural para o senso comum, acaba sendo praticada em espaços urbanos como forma de subsistência e fonte de renda. Desse fenômeno, presente não só na Amazônia, mas em diversos perímetros e nos arredores de centros urbanos de todo o mundo, surge o conceito de agricultura urbana, o qual se tornou foco principal da pesquisadora Eliane Raíssa Ribeiro Silva, na sua Dissertação de Mestrado Agricultura Urbana: contribuição e importância dos quintais para a alimentação e renda dos agricultores urbanos de Santarém – Pará.
Feita no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural da UFPA (NCADR), a Dissertação teve como objetivos identificar e caracterizar as diferentes atividades de agricultura urbana observadas no município de Santarém, para avaliar a importância e a contribuição delas à alimentação e renda das famílias dos agricultores que a desenvolvem. A pesquisa foi orientada pela professora Maria das Graças Pires Sablayrolles.
A maioria dos estudos já realizados sobre agricultura urbana adota o conceito sugerido pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO (sigla em inglês), a qual define a agricultura urbana como a produção alimentar (vegetal ou animal) que ocorre dentro dos limites urbanos e pode ser realizada em quintais ou tetos das residências, hortas, pomares, terrenos e espaços não utilizados ou públicos.
16 bairros percorridos a pé
"A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, em 1998, iniciou o levantamento das atividades de agricultura urbana em várias capitais brasileiras, buscando fazer uma classificação. Foi essa tipologia que utilizei como parâmetro para a pesquisa em Santarém. Porém percebi que ela não é adequada para todos os municípios, pois cada um tem a sua especificidade", afirma a pesquisadora Eliane Silva. Então, partindo da adequação dos parâmetros tipológicos estipulados pela FAO sobre agricultura urbana, Eliane Silva realizou sua pesquisa percorrendo os cinco distritos que compõem o espaço geográfico de Santarém, os quais possuem bairros periféricos e carentes de infraestrutura, e bairros considerados mais centrais, com maior infraestrutura e oferta de serviços.
Durante o percurso, feito a pé por 16 bairros dos 48 existentes nos cinco distritos, a pesquisadora buscou observar residências que possuíssem qualquer atividade de agricultura urbana. Quando havia, entrava em contato com os responsáveis pelas residências, explicava os objetivos da pesquisa ao agricultor e o interesse de tê-lo como informante. Após o aceite, era agendado o melhor dia e horário para a realização das entrevistas.
Assim, 56 agricultores urbanos foram entrevistados. A pesquisa buscou entender a importância dos animais e vegetais que compunham as atividades desses trabalhadores. Cem por cento das atividades de agricultura urbana observadas são de produção agrícola, visto que todas envolvem o cultivo e a produção vegetal, seja de hortaliças (horticultura), plantas ornamentais, medicinais, seja de espécies florestais em sistemas agroflorestais, sendo esta última a atividade praticada por 64% dos entrevistados.
Dos informantes, 41% também realizam atividades de produção agropecuária, ou seja, a criação de animais de pequeno, médio e grande porte. As finalidades são: estimação, transporte e alimentação. No município, os agricultores realizam suas atividades em espaços privados (quintais e lotes vagos) e em espaços públicos (laterais de avenidas).
"Essas atividades dificilmente são desenvolvidas sozinhas. O morador que tem uma horticultura também trabalha com piscicultura, com a criação de pequenos animais (bovinos, equinos, suínos e aves são os mais comuns). Encontramos quem também criasse bichos de casco, como jabutis e tracajás, mas eles afirmam que a criação dessas espécies é somente para o consumo próprio", acrescenta a pesquisadora.
Predominância feminina
Sobre o grau de escolaridade dos agricultores urbanos, oito são analfabetos e 28 cursaram as séries do ensino fundamental, mas apenas três chegaram a concluí-lo. No que concerne à principal ocupação declarada pelos entrevistados, 13 dos 56 têm a agricultura como sua única ocupação, enquanto 11 aliam a agricultura a outras atividades, tais como: feirante, comerciante, diarista e atividades do lar.
Dos 56 entrevistados, 42 são mulheres que, sozinhas ou com seus filhos e parentes, desenvolvem a agricultura urbana. Os motivos são diversos: necessidade para o autoconsumo, complementação da renda familiar e simples prazer de plantar e criar. Outras pesquisas realizadas na Amazônia também constataram que o gênero feminino é predominante no âmbito da agricultura urbana.
Além do prazer de cultivar e manter os quintais arborizados, as plantas também ajudam a prevenir e resolver problemas de saúde e oferecem alimento saudável à dieta das famílias e dos amigos desses agricultores. Assim, os quintais agroflorestais são caracterizados, também, como espaços de socialização, pois há relação de trocas e doação de produtos, tais como, plantas medicinais, frutas e verduras.
A diversidade de espécies vegetal e animal encontrada tem relação direta com a segurança alimentar dos agricultores. O número de espécies está intimamente relacionado ao valor gasto com a alimentação, o que revela uma estratégia de acesso aos alimentos e uma forma de reduzir os gastos. Além disso, as atividades de agricultura urbana contribuem diretamente com o incremento da renda por intermédio da absorção da mão de obra, principalmente familiar, visto que em nenhum dos casos analisados foi constatada mão de obra contratada.
Mesmo com os benefícios gerados com a agricultura urbana em Santarém, os quais refletem as necessidades alimentares, de saúde e de renda dos moradores, a atividade ainda carece de investimentos e assistência técnica governamental. "Atualmente, os agricultores urbanos estão se organizando, buscando ter acesso ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Isso é uma discussão nacional, porque o agricultor urbano está surgindo em todo o país, não é só em Santarém", conclui a pesquisadora.
por Igor de Souza / Dezembro 2011
foto Acervo do Pesquisador/JORNAL BEIRA DO RIO/UFPA
foto Acervo do Pesquisador/JORNAL BEIRA DO RIO/UFPA