segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Pela vitória das forças da mudança


Sérgio:”As forças dominantes do modelo fóssil desigual ainda predominam”. 
(Foto: Virgínia Damas/CCI/Ensp/Fiocruz)

ensp.fiocruz.br/radis/Adriano de Lavor 
O mundo em mudanças e os desafios da busca por sustentabilidade, que estarão no foco da Rio+20, pautaram palestra proferida pelo sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, na abertura da semana comemorativa do aniversário dos 57 anos da Ensp/Fiocruz, realizada em setembro. “As forças dominantes do modelo fóssil desigual ainda predominam sobre as forças da mudança”, alertou ele, logo no início de sua fala, tomando como base o acompanhamento que veio fazendo das conferências já realizadas sobre mudanças climáticas. Nesses encontros, avaliou Sérgio “se tecem dificuldades e se desfazem intenções, diante de obstáculos políticos e desequilíbrio de forças ali presentes”.

Ele afirmou, no entanto, que acredita que a humanidade não cria problemas que ela mesma não esteja pronta para resolver. Mesmo não tendo soluções prontas, dispõe de condições para a resolução desses problemas. “Já são sementes”, indicou. “Nosso trabalho é tornar estas sementes em árvores vitoriosas na floresta de interesses”.

Sérgio considera que já vivemos um processo de mudança, que tem dois pólos. De um lado, há o esgotamento da capacidade do planeta em sustentar a vida e a biosfera; ao mesmo tempo, já estão em curso mudanças científicas, tecnológicas, sociais e organizacionais que construirão as saídas que talvez permitam que nós tenhamos, ainda neste século, “uma sociedade mais sustentável, mais civilizada e com melhor capacidade de enfrentar as falhas que o século 20 nos legou”.


MUDANÇA DE PARADIGMA
Vários elementos do paradigma que ordenou e desordenou a vida do século 20, afirmou Sérgio, estão em esgotamento: a democracia representativa, a economia capitalista globalizada e o descolamento entre o lado financeiro da economia e o lado real, “que está levando o capitalismo a uma crise que ele não sabe resolver”. “A história do século 20 foi uma história da relação entre pessoas e forças sociais”, analisou ele, observando que todos os eventos do período são sociais, políticos e econômicos: a Revolução Russa (1917), a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) e a 2ª Guerra (1939-1945), até as transformações decorrentes do colapso do socialismo de Estado e a hegemonia do capitalismo globalizado financeiro.
No século 21, apontou, a história vai ser determinada por outro tipo de relacionamento: viveremos uma síntese contemporânea da contradição que havia na Idade Média, entre as forças humanas e as forças da natureza. “Foi a luta pelo controle das forças da natureza que levou à Revolução Industrial e às transformações que vimos no século 20”, assinalou, lembrando que novamente enfrentaremos essas forças.

‘COMPLEXO DE PROMETEU’
“Fracassamos na nossa onipotência de que seríamos capazes de subjugar as forças da natureza de forma perene”, disse. Mais que isso, salientou, os cientistas enfrentarão, nas próximas décadas, um desafio extraordinário, que será o retorno ao que classificou como Complexo de Prometeu — acreditar que é possível controlar todas as formas do fogo e colocá-las à disposição de uma visão de mundo — enfrentando-se as mudanças climáticas pela geoengenharia.
“A geoengenharia é um perigo”, alertou, já que não se sabe quem vai ter o controle deste conhecimento. Segundo ele, há um movimento dentro da comunidade de cientistas do clima para que este saber se torne um conhecimento compartilhado e submetido a uma governança. Ele criticou a frieza de físicos que propõem o uso da geoengenharia para diminuir em três graus centígrados a temperatura do planeta — sem mostrar preocupação com consequências, tais como o fim das monções na Índia e de boa parte da Amazônia.
Para Sérgio, são decisões graves. “Não existe vontade política para acabar com isso”, afirmou. E defendeu que a forma adequada para resolver o problema é ceder às pressões da sociedade. Neste ponto, manifestou preocupação em relação ao país, já que considera que a sociedade brasileira, em muitos aspectos, é tolerante com o intolerável e com a baixa qualidade.
 

DO LOCAL PARA O GLOBAL
O momento, de qualquer forma, salientou, é de reestruturação socioeconômica — com a redução do poder dos Estados Unidos e a quebra da hegemonia econômica das nações desenvolvidas —, de reordenamento geopolítico, e de uma revolução tecnológica em curso. Enquanto a nanotecnologia muda paradigmas da medicina, as redes sociais revolucionam o jornalismo. “Por outro lado, a ciência social está, a cada dia, mais desafiada a encontrar novas ferramentas para estudar novos fenômenos”, afirmou.
Abranches apontou que as gerações 2.0 viverão uma nova ordem, mas lembrou que a construção de uma sociedade sustentável “jamais virá de cima para baixo”. Por isso mesmo, disse não acreditar em acordos globais que sejam seguidos por países, mas sim em movimentos locais de sustentabilidade que se transformem em padrões nacionais e, em seguida, adotados no âmbito global.
 

CONTRADIÇÕES
Ele indicou ainda algumas contradições com que teremos que conviver em relação às questões ambientais: usar ou não a energia nuclear para a geração de energia elétrica; como produzir comida, o uso de transgênicos e de alimentos sintéticos; a necessidade de sustentabilidade e a certeza de que seremos 9 bilhões de pessoas em breve. “É rigorosamente impossível desenvolvermos uma economia de baixo carbono, sem que essa economia tenha uma lógica diferente da economia de mercado do século 20”, ressaltou, lembrando que esse modelo já se mostrou incapaz para resolver dois grandes problemas do século — a mudança climática e a pobreza.
Abranches acredita que o maior legado da Rio 92 foi sistematizar as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, trazer a ciência para a pauta jornalística. Sobre a Rio+20, orientou que desenvolvimento sustentável não é desenvolvimento sustentado ou crescimento ininterrupto do PIB, mas sim “uma economia de baixo carbono, associada a uma pegada ambiental mínima”.

ECONOMIA VERDE
Ele apresentou um modelo que mostra que a busca pelo desenvolvimento sustentável não é feita de sacrifícios — “não é produzir recessões, nem reduzir a taxa de emprego, nem interferir de forma autoritária na economia”. É um outro ciclo de crescimento — com qualidade. A economia verde seria a substituição quase integral de toda a infraestrutura logística e energética do mundo, o que também implica perdas, mas gera empregos de melhor qualidade.
“Estamos falando de uma economia que gera mais bem estar”, assinalou, lembrando que a ideia de eliminar a pobreza “não é expandir a economia velha”, que traz componentes de desigualdade e exclusão, incapazes de realizar tal feito — a não ser através do assistencialismo. Ele criticou o uso do PIB como medida, já que o indicador covalida as falhas do mercado, contabilizando ações negativas (como o incremento na venda de armas) como positivas.

REALIDADE BRASILEIRA
Abranches diagnosticou que o Brasil tem enfrentado muito mal os desafios do século 21. “Estamos atrasados”, disse, lembrando: é baixo o investimento em educação, ciência e tecnologia; a política energética brasileira é pouco sustentável e com horizonte de curto prazo; é preciso romper com a ideia de que se têm recursos inesgotáveis e valorizar o potencial eólico e solar para a geração de energia. O Brasil começou a se interessar por energia eólica, mas ainda despreza a energia solar, sob o argumento de que é cara, apontou. Além disso, o país desperdiça água, não investe em saneamento e enfrenta problemas com a qualidade do ar.

EXPECTATIVAS
Embora considere que sua expectativa em relação à Rio +20 é a mesma que nutriu em relação à Conferência do Clima de Copenhague (COP 15), em 2010 (Radis 90) — de que nada mudaria, diante do alto nível de demandas —, Sérgio Abranches enxerga mudanças para 2012: “A Rio +20, além de ter um estoque grande de esperanças, pode acabar sendo também o estuário das desesperanças”.
Ele lembrou, no entanto, que o evento depende prioritariamente dos governos e, pela declaração conjunta dada por ministros de Meio Ambiente e Relações Exteriores dos países do Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China), não há fortes compromissos com as mudanças. Abranches teme que a agenda da conferência seja muito declaratória. Neste sentido, ele considera que a conferência pode ser salva pela comunidade científica e pela sociedade civil. Assim como a Rio 92 deixou de legado o movimento ambiental no Brasil e a visibilidade para suas questões, a Rio+20 pode acenar para a necessidade de uma pressão constante sobre os governos, para que tomem decisões que visem um movimento global.

RADIS nº 112 - dezembro 2011