Entre as 64 aves encontradas, 9% eram da espécie
|
por Pedro Fernandes / Maio 2012
da UFPA/JORNAL BEIRA DO RIO
Utilização, perseguição, destruição, caça ou apanhe de espécimes da fauna silvestre são práticas proibidas por lei (Lei Federal Nº 5.197/67). Na Região Amazônica, por exemplo, ações como essas ainda são muito comuns. As aves são os principais alvos dessas ameaças antrópicas. Entre elas, o papagaio-do-mangue (Amazona amazonica) e o curió (Sporophila angolensis).
Em geral, a captura dessas aves tem como fim a comercialização. Porém, em certos casos, as aves são capturadas para a criação (uso doméstico). Em Santa Bárbara do Pará, os moradores compram, ganham ou capturam essas aves para criá-las em cativeiro. Quais os motivos para que as pessoas criem aves silvestres em cativeiro? Foi essa a questão que norteou a Dissertação de Mestrado de Viviany Amaral da Costa, pesquisadora do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento (NTPC) da Universidade Federal do Pará.
Sob a orientação da professora Maria Luisa da Silva, coordenadora do Arquivo do Som da Amazônia (ASA), a pesquisadora desenvolveu seu trabalho Aves Silvestres criadas em cativeiro em Santa Bárbara do Pará: aspectos socioculturais, a fim de identificar a percepção da população do município quanto à manutenção de aves silvestres em cativeiro.
"O objetivo da dissertação foi diagnosticar o problema e o porquê de as pessoas estarem criando aves silvestres. Depois disso, a ideia é fazer um projeto de educação ambiental a partir do que descobrimos, e minha dissertação foi a primeira etapa para a construção desse projeto, que terá a participação de todos os pesquisadores do ASA", explica Viviany Amaral.
Para conhecer os motivos de tal costume, bem como o perfil dos mantenedores das aves em cativeiro, foram entrevistadas 120 pessoas de três bairros do município de Santa Bárbara, no período de abril a dezembro de 2011. Os formulários aplicados nas entrevistas continham perguntas abertas (subjetivas) e perguntas fechadas ("sim" ou "não") a respeito do perfil dos entrevistados e da criação das aves silvestres.
No município de Santa Bárbara, criação é hábito cultural
Os resultados mostram que os motivos para a criação de aves em domicílio são diversos, 37% dos entrevistados afirmam criar aves em cativeiro em virtude do canto que elas produzem; 17%, por conta do hábito cultural; 15%, por causa da beleza das aves; 13%, em razão da alegria proporcionada por elas ao ambiente familiar; 4%, pela capacidade de imitação de sons e 6%, por tê-las encontrado.
Ainda que alguns moradores das localidades consultadas tenham o costume de criar aves silvestres em cativeiro, não há dados suficientes para comprovar que os principais responsáveis pela captura e comercialização das aves seja o próprio morador.
Os dados obtidos também revelam que não há associação entre o nível de escolaridade, o poder aquisitivo e o hábito de criar aves silvestres. As informações coletadas confirmam que se trata de uma tradição transmitida de pais para filhos.
"Criar aves silvestres em cativeiro é uma questão cultural, um hábito que as pessoas insistem em manter. Essa prática prejudica muito a vida natural das aves, o ciclo reprodutivo delas e, consequentemente, a diversidade das espécies", explica Viviany Amaral.
Foram encontradas 64 aves silvestres, 17 espécies de cinco famílias, das quais 36% são da espécie curió (Sporophila angolensis); 11%, sabiá-branco (Turdus leucomelas); 9%, papagaio-do-mangue (Amazona amazonica); 9%, coleira ou gola-preta (Sporophila nigricollis); 8% ,brejal ou patativa (Sporophila americana) e 6%, tem-tem (Euphonia violacea).
A captura indiscriminada de aves silvestres para criação em cativeiro pode colocá-las em risco de extinção. Exemplo disso é o curió (Sporophila angolensis), o qual, raramente, é encontrado em ambiente natural em Santa Bárbara do Pará. Ao todo, foram encontrados 23 curiós em cativeiro.
Alimentação e falta de espaço prejudicam os animais
O estudo mostrou que alguns moradores possuem conhecimento da alimentação mais adequada para aves silvestres. Os criadores de curió sabem, por exemplo, que a ave se alimenta de grãos. Já os criadores de papagaios-do-mangue não possuem esse tipo de informação. "O papagaio é um animal que come grãos, sementes e frutas. Porém os criadores costumam alimentá-los, de forma inadequada, com feijão, arroz, ovo cozido e café. De alguma forma, isso pode prejudicar a ave que está acostumada a comer outros alimentos encontrados em seu habitat. Produtos manufaturados podem prejudicar a ave", esclarece Viviany Amaral.
Mesmo que as pessoas ofereçam os cuidados necessários às aves, elas pertencem à natureza, "ave nenhuma pode ter bem-estar em cativeiro domiciliar. Por exemplo, os criadores de sabiás usam uma pequena gaiola, na qual o animal mal consegue se movimentar. Os papagaios criados em cativeiro têm as asas cortadas e ficam soltos em casa. Assim, as pessoas imaginam que ele terá bem-estar, longevidade e vai se tornar um membro da família", conta a pesquisadora.
A captura e a criação de aves silvestres em Santa Bárbara não se resumem a questões de educação ou de legislação. Os habitantes dos bairros visitados sabem que a legislação proíbe a criação de aves silvestres em domicílio. Por uma questão cultural, eles usam as aves silvestres como animais de estimação. Para eles, criar aves em casa é uma forma de diversão e de lazer. Para Viviany Amaral, este costume pode alterar o equilíbrio da natureza, pois as aves têm papéis essenciais no ecossistema. A retirada delas do meio ambiente pode desencadear problemas ecológicos.
A fim de possibilitar a diminuição da demanda de aves em cativeiro, a pesquisadora propõe a criação de estratégias pedagógicas voltadas à educação ambiental. "Nosso anseio é criar um Núcleo de Observadores de Aves, no qual os moradores possam aprender, por exemplo, sobre o desenvolvimento das aves e a importância delas para o meio natural e aproximar o nosso trabalho da comunidade", finaliza.