sábado, 28 de agosto de 2010

Os senhores de engenho da Amazônia

Pesquisa revela mais detalhes sobre o cotidiano dos engenhos amazônicos no século XIX e as transformações ocorridas no final desse período
Agência Museu Goeldi
Pesquisas arqueológicas e históricas desenvolvidas por pesquisadores do Museu Goeldi têm revelado a diversidade da cultura material em engenhos amazônicos do Brasil Colônia e Império. Em nível de iniciação científica, o bolsista Helder Bruno Palheta Ângelo, realizou pesquisa denominada “A Cultura Material dos Senhores de Engenhos de Igarapé-Miri e Abaetetuba no século XIX” e estudou as transformações no setor ao decorrer do século XIX. Sob a orientação do arqueólogo Fernando Marques, Helder Ângelo combinou a análise de fontes históricas e pesquisa bibliográfica sobre a cultura material em outras regiões do país a trabalhos relacionados aos engenhos amazônicos, para identificar mudanças nas práticas cotidianas dos senhores de engenho na Amazônia do século XIX, reflexo de um contexto socioeconômico em transformação. 
Com dificuldades para encontrar estudos sobre a cultura material do Pará oitocentista, principalmente sobre as funções simbólicas dos objetos, ao analisar a cultura material de senhores de engenhos, Helder pôde mostrar como essa classe modificou seus hábitos, investindo em itens que remetem à necessidade do conforto familiar e das relações de sociabilidade.
A documentação coletada na pesquisa aponta que, na primeira metade do século XIX, os senhores de engenho de Igarapé-Miri e Abaetetuba, municípios paraenses, possuíam maior quantidade de bens voltados para a produção econômica que objetos destinados ao conforto familiar. “Em ambientes rurais amazônicos, de baixa densidade populacional, onde as propriedades estavam afastadas por léguas de distância, os momentos de sociabilidade eram raros ou inexistentes, não sendo, portanto, intenção dos moradores destes sítios destacarem objetos de luxo”, explica Helder Ângelo.
Os espólios desse grupo mostram alteração no padrão de consumo após 1850.  Cada vez mais, itens de sofisticação e refinamento em uso nas residências passaram a compor o patrimônio: louças, prataria e mobílias de luxo, identificadas no estudo, expressam padrão de consumo advindo da Belle Époque; uma necessidade em deter bens com valor simbólico referente à riqueza acumulada em época de ouro para o setor produtivo da região.
Belém e Manaus eram as principais cidades da Amazônia e já saboreavam o fruto dos altos lucros da atividade gomífera, na qual a ostentação era característica das classes abastadas. Além da exploração da seringa personificada pelos “Senhores da Borracha”, a pesquisa indica que os “Senhores de Engenho” também integravam a elite do capital regional.
A borracha, a cana e os seus senhores - Ainda na segunda metade do século XIX, muitas famílias proprietárias de engenhos foram atraídas para o comércio gomífero em expansão e passaram a combinar atividades, estabelecendo laços com os comerciantes enriquecidos da borracha e, assim, acumulando o poder econômico paraense.
Mesmo com crescimento inicial do comércio gomífero, senhores de engenho de Igarapé-Miri e Abaetetuba ainda viam no empreendimento canavieiro o principal negócio, o que possibilitou o enriquecimento de alguns proprietários. Foi esse acúmulo econômico, somado a um aumento do comércio de diversos itens importados no estuário amazônico, gerado pelo boom da borracha, que levou à alteração nos costumes e hábitos da elite econômica.
Estudos comprovam que até a década de 1870, a atividade canavieira ainda estava em alta, expressa pelo grande volume de exportação dos produtos derivados da cana-de-açúcar. À época, eram mais de 160 os engenhos às proximidades de Belém.
A busca de informação - Testamentos e inventários de senhores de engenhos sob a guarda do Arquivo Público do Pará e Centro de Memória da Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA) serviram de fontes históricas. Deles se extraíram informações sobre os bens materiais adquiridos pelas famílias.  Os jornais do século XIX da coleção da Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna” também permitiram a identificação da dinâmica da circulação de produtos na região. “A utilização dos jornais visou ao estabelecimento de um paralelo entre o que era noticiado e o contexto social e econômico ao qual era vinculado. Atentamos, assim, para as motivações que levaram à publicação de determinada notícia”, argumenta Helder. A análise proporcionou a compreensão “dos costumes, das práticas de consumo e do cotidiano da sociedade em questão”, conclui Helder Ângelo.
Nota
Belle Époque - Período de prosperidade do final do séc XIX ao início do séc XX, quando Belém e Manaus viveram época de ouro, graças aos lucros advindos da exploração da seringa. Ali, os “Senhores da Borracha” ostentavam a riqueza em Teatros como o da Paz, em Belém, e o Amazonas, em Manaus.
Texto: Vanessa Brasil