quinta-feira, 26 de agosto de 2010

ZOOARQUEOLOGIA ALIA INVESTIGAÇÃO À CIÊNCIA

Para muitos, um pedaço de cerâmica ou um fragmento de osso espalhado na terra pode parecer insignificante. Entretanto, tais vestígios são objetos valiosos para os arqueólogos, profissionais que pesquisam o passado humano a partir de restos de materiais. Quando a pesquisa envolve resquícios de animais, como ossos, penas, dentes ou chifres, o ramo da arqueologia que os estuda é a zooarqueologia, que tenta ler estes vestígios e descobrir como era a relação dos homens com os animais há milhares de anos, e o que isso tem a dizer sobre a cultura do período



Camila Camilo / USP online

Para muitos, um pedaço de cerâmica ou um fragmento de osso espalhado na terra pode parecer insignificante. Entretanto, tais vestígios são objetos valiosos para os arqueólogos, profissionais que pesquisam o passado humano a partir de restos de materiais. Quando a pesquisa envolve resquícios de animais, como ossos, penas, dentes ou chifres, o ramo da arqueologia que os estuda é a zooarqueologia, que tenta ler estes vestígios e descobrir como era a relação dos homens com os animais há milhares de anos, e o que isso tem a dizer sobre a cultura do período.

O professor Levy Figuti, zooarqueólogo do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, explica que cada animal aparece de maneira particular dentro de uma sociedade - seja como animal de estimação, caça, artigo religioso ou até mesmo adorno. Identificar esta razão permite montar, conjuntamente com outros profissionais, um panorama de como era o cotidiano, os hábitos e a cultura de determinada civilização.
Uma das informações que podem ser obtidas é, por exemplo, a razão que motivou a substituição da caça pela domesticação. O professor explica que a maior parte dos registros de domesticação datam da pré-história - a única documentada após este período é a do coelho, datada de aproximadamente o ano 500 a.C..


O prof. Levy Figuti, do MAE / USP.

A diferença entre ter ou não animais domésticos é historicamente significativa. Um exemplo é o encontro entre índios e europeus, que pela convivência com animais domésticos possuíam "uma carga bacteriológica muito maior que a dos índios". Segundo Figuti, o fato dos índigenas não terem imunidade desenvolvida para estes agentes foi suficiente para trazer danos a boa parte destas populações e causar a morte de muitos, à parte do conflito armado.


De acordo com o docente, é preciso um ambiente propício para que o material encontrado esteja em condição de estudo, como é o caso de sítios arqueológicos a céu aberto, grutas ou sambaquis (elevações formadas por restos de diferentes materiais, como conchas, e que também apresentam, em alguns casos, restos humanos). Os sambaquis estão presentes do litoral norte do Espírito Santo ao litoral norte do Rio Grande do Sul. Atualmente, o professor pesquisa dois conjuntos de sambaquis, um fluvial, no Vale do Ribeira, em São Paulo; e outro no litoral de Joinville, em Santa Catarina. O primeiro, construído por núcleos caçadores, foi formado de 8 mil a mil anos atrás, e é constituído por caramujos terrestres e restos de mamíferos. Já o de Joinville, formado há cerca de 10 mil a mil anos atrás, é composto por conchas marinhas e restos de peixes e está presente em locais anteriormente habitados por núcleos pescadores. Estes são os dois tipos básicos de sambaquis, dentro dos quais, em alguns casos, é possível encontrar sepultamento humano - uma das maneiras de saber se o corpo foi sepultado é encontrá-lo na posição de decúbito lateral fletido, isto é, deitado com os membros dobrados e próximos ao tronco.




Como trabalha o zooarqueólogo



O mecanismo utilizado para identificar a natureza do objeto encontrado é a identificação anatômica taxonômica. Quando um osso é localizado a tarefa é descobrir, a partir de uma boa coleção e base de referência, que tipo de animal é e qual a sua idade, entre outros dados. Em alguns casos, é possível identificar até mesmo o seu estado de saúde ou como ele morreu. "Os diagnósticos são sempre aproximados porque é tudo muito fragmentado e há uma série de fatores a considerar", explica Figuti.


Em geral, os zooarqueólogos têm formação na área de humanas ou biológicas, e fazem uma especialização posterior. O docente explica que o trabalho é bastante investigativo, e se o laboratório ou as técnicas necessárias não estão disponíveis, outros pesquisadores de áreas como biociências, química, física, e geociências são solicitados para realização de parcerias. Ele conta que embora haja poucos zooarqueólogos no país, o número de pesquisadores e a procura por cursos na área vem crescendo. E diz também que o MAE concentra atualmente o maior grupo de pesquisadores de arqueologia do Brasil, assim como a pós-graduação mais antiga e o maior número de mestrandos e doutorandos na área.