Estudo da UFRJ desenvolve pó de café fortificado com ferro e zinco
Débora Motta
Detalhe dos grãos de café antes da fortificação: adição de ferro e zinco à bebida pode ajudar a suprir carência desses minerais |
Não seria exagero dizer que o tradicional cafezinho, com ampla aceitação em todas as classes sociais, é uma preferência nacional. O café é a segunda bebida mais consumida no Brasil, só perdendo para a água, segundo levantamento realizado em janeiro de 2010 pelo Instituto Ivani Rossi Consultoria em Pesquisa para a Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic). Mas além de ser apreciado pelo aroma e sabor peculiares e por suas propriedades estimulantes, ele pode vir a ser um aliado no combate às deficiências nutricionais de parte da população brasileira.
Para aproveitar a popularidade da bebida a favor da melhoria da nutrição, uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com apoio do programa Bolsa Nota 10 da FAPERJ criou o café torrado e moído fortificado com ferro e zinco.
O projeto foi tema da dissertação de mestrado defendida em julho deste ano no Programa de Pós-graduação em Ciência de Alimentos do Instituto de Química da UFRJ pela bolsista Nota 10 Luciana Lopes Costa, sob orientação da professora Adriana Farah, que é Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e doutora em Ciências de Alimentos pela UFRJ, com parte de sua tese realizada no Institute for Coffee Studies at Vanderbilt University Medical Center (EUA). De acordo com Luciana, adicionar ferro e zinco ao café é uma tentativa de suprir o consumo inadequado desses minerais, ainda abaixo dos níveis recomendados pelos padrões internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS). “A subnutrição de micronutrientes como o ferro e o zinco, importantes para prevenir a anemia, ainda é prevalente nos países em desenvolvimento”, diz a nutricionista.
A ideia de criar um café fortificado já vinha sendo testada em outras pesquisas na instituição que tiveram a participação da professora Adriana Farah. “Fizemos um estudo inicial com fortificação de café solúvel, que teve orientação da professora Carmen Marino Donangelo.
A intenção era verificar se o café poderia ser um veículo adequado para a fortificação, permitindo uma absorção adequada dos minerais adicionados a sua matriz, e o resultado foi excelente”, conta Adriana, que vem se dedicando ao tema café e saúde ao longo dos últimos anos. “No caso desse projeto defendido pela Luciana, o enfoque escolhido foi a fortificação do café em pó porque ele é mais acessível às pessoas de baixa renda do que o café solúvel”, explica a orientadora.
Café para ajudar a nutrir
Durante os dois anos da pesquisa, diferentes concentrações de ferro e zinco foram experimentadas no Laboratório de Bioquímica Nutricional e de Alimentos da UFRJ até se chegar à concentração ideal de nutrientes que deveria ser adicionada ao pó de café. “Cada xícara do café fortificado que desenvolvemos atende a 20% da recomendação da OMS para a ingestão diária de ferro e de zinco”, destaca Luciana. Esses testes foram realizados em parceria com o Laboratório de Análises Espectrométricas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com auxílio do professor Norbert Miekeley.
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A bolsista Nota 10 Luciana Costa (à esq.) e a orientadora Adriana Farah: produto pode trazer benefícios à saúde coletiva |
O próximo passo do projeto foi avaliar se os minerais adicionados ao pó de café ficariam retidos no coador na hora do preparo ou se eles passariam pelo coador mantendo as suas propriedades nutricionais também no café pronto para beber. Para isso, a eficácia da adição de ferro e zinco foi testada de acordo com os diversos métodos utilizados no preparo do café em pó, como as cafeteiras elétrica e italiana (café Mocca), os coadores de pano, de nylon e de papel, e a máquina de café expresso. “As bebidas preparadas com cafeteira elétrica e com máquina de café expresso foram as que mais preservaram as propriedades nutricionais do ferro e do zinco adicionados ao pó original, com cerca de 40% de aproveitamento desses minerais”, ressalta Luciana.
Os resultados observados para a preservação de ferro e zinco no preparo da bebida com a cafeteira elétrica, hoje um eletrodoméstico comum na maioria das casas no País, também podem ser convenientes para difundir o consumo do pó de café fortificado em larga escala. “Além de eficaz para ajudar a preservar os componentes nutricionais adicionados ao pó, a cafeteira elétrica é um dos métodos mais utilizados pelos brasileiros para fazer café, junto com o método do coador, de acordo com dados da Abic. No entanto, 40% ainda não é um percentual ideal de extração em relação ao custo-benefício da fortificação do café torrado e moído e mais estudos precisam ser realizados no sentido de aumentar essa recuperação”, completa Adriana.
Depois que as melhores condições para o preparo do café fortificado foram observadas, outra etapa da pesquisa foi a análise sensorial, realizada em parceria com o Laboratório de Análise Sensorial/Instrumental (Lasi) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Nessa fase, 80 provadores – entre eles um grupo treinado para perceber sabores característicos do café e um grupo de pessoas não treinadas – participaram de testes de degustação que determinaram o limiar da percepção dos micronutrientes adicionados ao pó pelos consumidores. “Os provadores não perceberam diferenças entre o sabor do café fortificado e o do café comum até mesmo em doses acima daquelas utilizadas na fortificação, o que indica que o produto pode vir a ter uma boa aceitação do público”, pondera Luciana.
Antes mesmo de ser fortificado com ferro e zinco, o café em pó utilizado nos testes já havia recebido um tratamento especial. Diferente da torra escura frequentemente encontrada nas marcas comuns do mercado, ele foi preparado com uma torra média clara e com uma metodologia de torrefação recentemente desenvolvida que ajudam a preservar outras importantes propriedades nutricionais. “O café que foi enriquecido no estudo foi obtido sob condições específicas para torná-lo o mais saudável possível, a ponto de preservar as suas moléculas de ácidos clorogênicos e lactonas. Elas são responsáveis pelo fato do café ser o alimento que mais contribui para a capacidade antioxidante na dieta do brasileiro, além de ser uma bebida com potenciais propriedades antidiabetes, antibacteriana e hepatoprotetora, entre outras”, destaca Adriana.
Ainda não há previsão de quando o produto deve chegar ao mercado, mas o objetivo principal é que ele venha a ser empregado como uma ferramenta de apoio às políticas de assistência à saúde. “O café torrado e moído fortificado ou até mesmo o café solúvel fortificado, que apesar do custo mais elevado oferece um aproveitamento de 100% dos minerais adicionados, poderão ser comercializados ou distribuídos, no futuro, a populações carentes no contexto dos programas de saúde governamentais.
Estamos abertas a parcerias”, diz Adriana. “Considerando as adaptações necessárias em relação ao custo-benefício, o procedimento técnico de fortificação do café poderia trazer benefícios relevantes à saúde coletiva”, concluem Luciana e Adriana.
Fonte: FAPERJ