sábado, 5 de fevereiro de 2011

PESQUISA FAPESP

CIÊNCIA
| EVOLUÇÃO

Buenos días, cangurus

Os parentes mais antigos dos marsupiais australianos podem ter vivido na América do Sul
© LEONORA COSTA / UFES
Cuíca: um dos menores do Brasil
Marsupiais como o canguru e o coala começaram  na Austrália há milhões de anos a partir de espécies do mesmo grupo que viveram na América do Sul, de acordo com uma hipótese recente que ganha força. Essa abordagem sustenta que os marsupiais brasileiros – os mais conhecidos são o gambá, a cuíca e a catita – formam o ramo mais antigo desse grupo de animais ainda com representantes vivos. As linhagens que viveram na Europa ou na Ásia se extinguiram (apenas uma espécie vive nos Estados Unidos e Canadá), restando apenas as da América do Sul e da Austrália.


Essa visão, reforçada por um estudo de pesquisadores da universidade alemã de Münster publicado em julho de 2010 na revista PLoS Biology, indica que o ramo de marsupiais que abarca as espécies brasileiras deu origem a outro, hoje com apenas uma espécie viva, omonito del monte (Dromiciops gliroides), animal de até 25 gramas das matas do Chile e da Argentina. O pequeno monito pode ser o parente vivo mais distante das quase 200 espécies de marsupiais australianos, incluindo as variedades mais encorpadas de cangurus, que podem pesar 70 quilogramas (kg).

“Geneticamente”, diz Ariovaldo Cruz Neto, pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro que estuda esses animais em colaboração com colegas australianos, “o monito exibe um grau de parentesco maior com as espécies australianas do que com as da América do Sul”. Os marsupiais brasileiros, embora mais antigos, não guardam mais parentesco direto com nenhum dos que vivem na Austrália. Segundo outra hipótese, apresentada em 2008 na PLoS One por um grupo da universidade australiana de Nova Gales do Sul, a espécie que originou os marsupiais australianos teria sido outra, a Djarthia murgonensis, que viveu há 30 milhões de anos a leste de um supercontinente que incluía as atuais América do Sul e Austrália.

Apesar da distância, os marsupiais americanos e australianos guardam outras semelhanças além do fato de os filhotes nascerem incompletos, sem pelo e cegos, após uma gestação de uma ou duas semanas, e seguirem para as mamas da mãe, normalmente protegidas por uma bolsa chamada marsúpio, onde crescem por mais dois ou três meses antes de verem a luz. Cruz Neto e seus colaboradores da Austrália verificaram que o organismo dos marsupiais da América do Sul e da Austrália funciona de modo muito semelhante para produzir e queimar energia, independentemente do porte ou do tipo de ambiente em que vivem.

A maioria das quase 90 espécies de marsupiais das Américas pesa entre 10 gramas e 1 kg, vive em geral em florestas e se alimenta principalmente de insetos. Já um canguru pode ter o porte de um homem adulto, embora a menor das 21 espécies desse grupo pese 400 gramas. Na Austrália, os marsupiais vivem em túneis, no deserto ou em florestas úmidas e, como os americanos, se alimentam principalmente de invertebrados e frutos pequenos, embora uma espécie prefira néctar e a outra seja carnívora.

Organismos semelhantes – Os pesquisadores examinaram o metabolismo de representantes de duas espécies de cuíca da América do Sul, a Gracilinanus agilis e aMicoureus paraguayanus. A primeira apresentou uma temperatura corporal média de 33,5o Celsius e a outra, de 33,3o Celsius, pelo menos dois graus abaixo da temperatura média dos mamíferos placentários, o grupo ao qual pertencemos. Outra medida foi a da taxa metabólica basal, que indica o nível mínimo de energia de que o animal necessita para manter as funções vitais do corpo. Para manter essa taxa, cada uma das duas espécies gasta, respectivamente, 4,8 quilocalorias (kcal) e 5,5 kcal por dia.

A temperatura corporal e a taxa metabólica dos dois marsupiais brasileiros estavam muito próximas às de outros marsupiais australianos que já haviam sido examinados. “Do ponto de vista fisiológico”, diz Cruz Neto, “uma vez marsupial, sempre marsupial, apesar dos milhões de anos de evolução independente e das diferenças de dieta e hábitat das espécies que vivem na América do Sul e na Austrália”. Segundo ele, aparentemente não houve pressão seletiva que levasse à modificação do plano fisiológico, que foi suficiente para esses animais colonizarem a Austrália. “É como se os marsupiais tivessem uma mala com roupas que lhes permitissem viver em diferentes ambientes.”

Os marsupiais da América do Sul, embora menos diferentes entre si do que os autralianos, exibem distinções  sutis e relevantes no tamanho e no formato do crânio, da mandíbula, da escápula e da pélvis que expressam seus hábitos alimentares e os ambientes em que vivem. Diego Astúa, professor da Universidade Federal de Pernambuco, comparou as medidas do crânio de 2.932 animais da família dos didelfí­deos, que abarca a maioria dos marsupiais brasileiros, de marsupiais que vivem nos Andes e do monito del monte. Em um trabalho publicado em 2010, ele mostrou que metade dos didelfí­­deos apresentava diferenças no tamanho e na forma do crânio – em todos os casos, os machos eram mais cabeçudos que as fêmeas.
> Artigos científicos
1. ASTÚA, D. Cranial sexual dimorphism in New World marsupials and a test of Rensch’s rule in Didelphidae. Journal of Mammalogy. v. 91, n. 4, p. 1011-24. 2010.
2. COOPER, C.E.; WITHERS, P.C.; CRUZ-NETO, A.P. Metabolic, ventilatory and hygric physiology of a South American marsupial, the long-furred woolly mouse opossum. Journal of Mammalogy. v. 91, p 1-10. 2010.

O PROJETO
Energética de morcegos e marsupiais: bases estruturais e significado funcional da taxa metabólica basal – nº 00/09968-8
Modalidade
Jovem Pesquisador
Co­or­de­na­dor
Ariovaldo Pereira da Cruz Neto – Unesp
InvestimentoR$ 441.455,78