do Mirada Global por João Batista Libanio
Anunciam-se Congressos e Seminários sobre cidades sustentáveis, saudáveis. Algo importante. No entanto, cada dia sentimos mais que elas se tornam intransitáveis. Como serem saudáveis ou sustentáveis se não conseguimos deslocar-nos nelas?
A história humana vive saltos intrigantes. Antes da invenção do automóvel, os urbanistas de Nova Iorque se angustiavam com a crescente circulação de cavalos, carroças, carruagens a ponto de tornar-se problema o excesso de estrume. Que fazer para manter a cidade limpa e higiênica?
Veio Ford e resolveu rapidamente tal impasse. Os cavalos animais se foram e entraram os cavalos-vapor. Parecia perfeita solução. Tudo começou a fluir limpamente. Nada de escrementos. Fumacinha discreta em quantidade suportável. Andava-se mais depressa. Aliviou-se-nos o desgaste dos músculos de caminhar longamente a pé ou o perigo de cavalos bravos. Agora com pequenas manobras com pé e braço lá se vai o carro em alta velocidade! Que maravilha!
O sonho está a desvanecer-se. O acúmulo de carros poluem não tanto o solo, mas o ar. O asfalto parece limpo. Mas a fumaça preteja a atmosfera. E o tempo? A tecnologia automotora, no começo, nos poupou horas de deslocamento. Rapidamente se ia da casa ao local de trabalho, de reza, de lazer. De novo, a ironia da história. A enxurrada de automóveis está a converter tal economia de tempo em desgaste psíquico pelos gigantescos congestionamentos e pelas horas lentas e longas no trânsito.
Todos veem. Todos sofrem, em determinadas horas, o acúmulo de tráfego. Mas quase nada se faz para resolver tal impasse. As vias expressas chegam atrasadas. E que dizer durante o tempo de sua construção? Aí a porca torce o rabo.
Se um ET sobrevoasse as metrópoles brasileiras e se pusesse a pensar: por que aquele pessoal lá em baixo vai, de manhã, todos, ao mesmo tempo, para uma mesma direção, tornando o transitar quase impossível? E por que à tarde fazem o inverso com o mesmo problema? Eles se dizem inteligentes, mas não parece. Interessante, continua o ET a pensar, muitos e muitos vão sozinhos no carro quase para o mesmo lugar que outros o fazem. Por que não vão juntos no mesmo carro? Quantos automóveis não ficariam na garagem com economia de gasolina, com diminuição da emissão do poluente dióxido de carbono, com menos veículos a circular? E quem sabe que esse convívio diário, próximo, na mesma condução para o trabalho não serviria de terapia e diminuiria a tensão enervante matutina?
Os engenheiros de tráfego não sabem responder a essas perguntas. Escapa-lhes do campo de especialização. Eles manejam sinais e setas indicativas. Sugerem construções de ruas e avenidas. Aí se detêm. Há, porém, solução que tocaria a todos nós, cidadãos da sociedade civil. Difícil certamente numa cultura individualista. Mas traria outra vida. Que os vizinhos se encontrassem, se perguntassem pelos trajetos diários e se organizassem, por turno, para irem e voltarem do trabalho ou escola na mesma hora, mesmo que isso supusesse pequena renúncia de uma pseudo-liberdade que o automóvel parece oferecer.
Sobre o autor
*Pe. João Batista Libanio, S.J., doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, é professor na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia da Companhia de Jesus (FAJE).
É autor de muitíssimas obras no campo da Teologia e Pastoral, dentre elas: Em busca de Lucidez, O fiel da balança, A arte de formar-se,Introdução à vida intelectual, As lógicas da cidade: o impacto sobre a fé e sob o impacto da fé, A Religião no início do milênio.