quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Grupo de Pesquisa cria sistema para abastecer ribeirinhos com água da chuva


Comunidades foram escolhidas por já possuirem
experiência anterior com esse tipo de sistema



por Igor de Souza /Novembro 2011
foto Karol Khaled/ JORNAL UFPA 


Se listarem as principais palavras que caracterizam a região amazônica, "chuva" ocupará uma posição eminente. Com um clima do tipo equatorial, quente e com muita umidade devido à grande disponibilidade de água, a Amazônia possui uma boa distribuição de chuvas ao longo do ano, sendo o período mais chuvoso os meses de janeiro, fevereiro, março e abril. As vantagens que perpassam essa característica são muitas e podem ajudar a resolver um dos problemas mais frequentes no nosso país: a deficiência nos serviços de abastecimento de água.

Foi a partir dessa perspectiva, aliada à preocupação com o meio ambiente, que surgiu o Grupo de Pesquisa "Aproveitamento de água da chuva na Amazônia", liderado pelo professor Ronaldo Mendes, do Núcleo de Meio Ambiente (Numa).  As atividades do grupo buscam desenvolver projetos para captação de água da chuva a baixo custo e adequada ao consumo humano. O grupo conta, ainda, com a colaboração dos professores Tony Carlos Dias da Costa e Dênio Ramam Carvalho de Oliveira, ambos do Instituto de Tecnologia da UFPA (ITEC).

Com duas fontes de financiamento, a do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa), o grupo possui duas frentes de atuação: uma urbana e outra rural, mais precisamente nas ilhas no entorno da capital do Estado, abrangendo as comunidades rurais da Ilha Grande e da Ilha do Murutucu. Em ambas as frentes, foram instalados protótipos de sistemas de captação de água da chuva para fins potáveis, desenvolvidos no âmbito do Projeto.
A escolha pelas ilhas se justifica pela prévia experiência delas na captação da água da chuva e pela dificuldade de abastecimento de água potável. "É comum que os ribeirinhos tomem a água do rio, que, quase sempre, não é adequada para o consumo. As alternativas encontradas por eles são buscar água em outras comunidades, o que envolve deslocamento, ou, então, comprar a água oriunda da capital do Estado, o que já revela um mercado da água por trás dessa dificuldade. A água subterrânea, que seria a alternativa óbvia, já foi empregada sem sucesso na Ilha Grande. A qualidade é comprometida pelo excesso de ferro", pondera o pesquisador Ronaldo Mendes.

Diagnóstico indicou aceitação de 78% das famílias

Os estudos iniciaram com um diagnóstico feito a partir de entrevistas com 40 famílias residentes na Ilha Grande, onde se constatou que 78% têm uma aceitação positiva para o aproveitamento da água da chuva nas atividades do cotidiano. Isto talvez se deva à existência, na Ilha, de uma experiência de captação da água da chuva desde 2004, antes mesmo das atividades do grupo de pesquisa. A experiência foi promovida por ações da entidade de promoção e atuação social, Cáritas Brasileira, que desenvolveu um sistema que segue o modelo nordestino, região com má distribuição física e temporal da precipitação pluviométrica e um alto índice de evaporação.
"O sistema da Cáritas foi muito importante às nossas pesquisas e bem vindo à Ilha, diante da carência de abastecimento. Mas vislumbramos algumas necessidades de adequação à realidade local. Por exemplo, a Ilha é uma área de várzea, quando o nível da água sobe, a base da cisterna fica alagada, e, como a torneira de saída se localiza perto do solo, a água externa acaba entrando em contato com a água mantida na cisterna, prejudicando a sua qualidade. O volume da cisterna (cerca de 16 mil litros) não precisaria ser tão grande, pois o volume de chuvas da nossa região garante a renovação constante da água, muito diferente daquele do Nordeste. Assim, percebemos que, para ser usado em áreas de várzea, o sistema precisaria ser suspenso, o que o encareceria caso a cisterna fosse construída em concreto armado", explica o professor Ronaldo Mendes.
Foi buscando a qualidade da água que o Grupo elaborou um sistema de captação de água da chuva baseado em quatro princípios básicos da sustentabilidade do abastecimento. São eles: acesso facilitado, preço de acordo com a condição do usuário, quantidade e qualidade adequada ao consumo. Dois sistemas piloto foram construídos, para fins de teste, nos bairros Curió-Utinga e Canudos. Os posicionamentos de tais protótipos deram-se por razões técnicas no que diz respeito às dimensões e aos materiais dos telhados das casas. Outro aspecto foi a proximidade ao Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) localizado no Curió-Utinga, o que favoreceu a medida de pluviosidade disponibilizada por este órgão.

33 pessoas atendidas a custo de R$120,00 por usuário

O primeiro sistema criado é simples e barato, pois utiliza tubos e um reservatório, neste caso, uma caixa d'água convencional. No percurso da água para o reservatório, foram instalados tubulações de descarte da primeira água que toca o telhado. No início da chuva, a água tende a lavá-lo, ou seja, retira grande parte da sujeira que lá se encontra, e essa água não pode chegar até o reservatório. Tais tubulações são chamadas de Reservatórios de Autolimpeza (RAL), e a sua quantidade depende do número de usuários a serem atendidos pelo sistema.
Assim, a função dos RAL é descartar a primeira água que cai sobre o telhado, a qual pode ser suja, permitindo, posteriormente, a passagem da água mais limpa até o reservatório. Antes de chegar ao seu destino final, a água da chuva passa por um filtro feito de areia e seixo. "Esse protótipo surgiu a partir dos estudos do grupo de pesquisa. A manutenção é muito simples, tal como lavar o telhado e o reservatório. Além disso, o protótipo não consome energia, pois a água é liberada por de uma torneira no próprio reservatório suspenso 70 cm acima do nível do chão", acrescenta o pesquisador.
Amostras da água da chuva foram coletadas em vários pontos do sistema e analisadas pelo Laboratório de Química Analítica e Ambiental da UFPA (LAQUANAM), coordenado pela professora Simone Pereira, do Instituto de Ciências Exatas e Naturais (ICEN).
Em agosto deste ano, foi a vez da frente rural receber os sistemas, agora, em caráter definitivo. Os sistemas foram instalados em duas residências, uma na Ilha Grande e outra na Ilha do Murutucu. "Na ilha Grande, residências fazem uso do sistema, perfazendo 19 pessoas. Na Ilha do Murutucu, 14 pessoas. Ao todo, são 33 pessoas atendidas a um custo máximo de R$120,00 por usuário. Este valor deve diminuir pelo menos 10% após alguns ajustes que pretendemos realizar", afirma o pesquisador Ronaldo Mendes.

Etapas do sistema de aproveitamento

• A água da chuva cai no telhado e escorre pela calha;

• Em seguida, a água é canalizada para as tubulações de descarte, chamadas de Reservatórios de Autolimpeza (RAL);
• Após descartar as possíveis impurezas vindas do telhado das moradias, a água que resta é canalizada para o Reservatório Elevado e daí para o filtro;
• Após o processo de filtração, a água da chuva chega ao reservatório final, enquanto o reservatório apoiado guarda certa quantidade de água captada para o processo de filtração contínuo.

Água própria para o consumo 45 dias após a instalação

Durante a instalação nas ilhas, foram necessários alguns ajustes no modelo projetado, principalmente na estrutura do sistema. A novidade é a criação de um segundo reservatório de captação, posicionado um pouco abaixo do nível da calha, apoiado por uma estrutura em madeira chamada "Reservatório Elevado". Este segundo reservatório, localizado entre os Reservatórios de Autolimpeza e o filtro, adquire a função de ser uma estrutura de "espera", ou seja, um reservatório que fica captando constantemente a água da chuva, a qual terá tempo suficiente para ser filtrada, sem limitar o volume de uso da população atendida.
O segundo reservatório surgiu em função do processo chamado de filtro lento, o qual consegue filtrar 17 litros d'água por dia. Para famílias maiores, os sistemas recebem mais filtros e, assim, aumentam proporcionalmente o fornecimento de água. Com esta alteração, após 30 dias de implantação, o sistema pode ser usado constantemente sem interrupção.
Como o funcionamento do filtro lento está associado ao desenvolvimento prévio de uma colônia de bactérias nele, são necessários, aproximadamente, 45 dias após a instalação do sistema para que a água esteja própria para o consumo. "Vamos continuar monitorando a qualidade da água para, então, liberá-la para o consumo. Ainda assim, o acréscimo de hipoclorito na água deve ser mantido, como já é tradicionalmente recomendado pela Secretaria Municipal de Saúde de Belém", afirma o pesquisador.


Capacitação – Após a instalação nas ilhas, as famílias que receberam os protótipos participaram de uma capacitação sobre o funcionamento do sistema e sobre a limpeza dos reservatórios. Na segunda quinzena de setembro, foram realizadas atividades de educação ambiental, com a participação da educadora ambiental, Maria Ludetana Araújo, docente do Instituto de Ciências da Educação (ICED), que ressaltou a importância da água para o homem e os cuidados que devemos ter com ela no cotidiano.

O Grupo de Pesquisa está iniciando o processo para patentear o sistema e, em seguida, buscará parcerias com órgãos governamentais ou mesmo com as associações de moradores das ilhas de Belém. O governo federal possui programas que têm fornecido moradias aos ribeirinhos, logo, a intenção é a inserção do sistema nas plantas arquitetônicas das moradias. Assim, elas já viriam com o sistema de abastecimento baseado no aproveitamento da água da chuva de forma potável, para fins, prioritariamente, de ingestão e preparação de alimentos, o que diminuiria drasticamente os riscos de doenças de veiculação hídrica.