Após o terremoto de janeiro de 20OGO10 no Haiti, apenas a água fervida era realmente segura. Mas fervê-la era um problema, pois a madeira para fazer o fogo praticamente não existia ou custava muito caro. Segundo o alemão Hans Michlbauer, 97% da floresta nativa já desapareceram. "As mulheres gastam horas procurando lenha", conta.
Ele trabalha para a EG Solar, associação responsável por projetos de cozinhas solares em todo o mundo. Não apenas no Haiti os fogões solares são úteis. Em diversos países em desenvolvimento, a tecnologia pode melhorar as condições de vida, além de contribuir com a preservação do meio ambiente. Atualmente, 17% das emissões mundiais de CO2 são produzidas no cozimento doméstico e provêm da queima de lenha, esterco ou biomassa.
Mulheres e crianças são as maiores beneficiadas pela nova tecnologiaTrês bilhões de pessoas dependem desses combustíveis. Em busca da lenha, as florestas são desmatadas, o que aumenta a erosão e contribui com a sedimentação dos rios. E a extração da madeira custa tempo – um tempo que falta para outras atividades rentáveis. Além disso, a fuligem polui o ar.
A cada inverno, uma nuvem de fumaça cobre o sul da Ásia, causada principalmente, segundo um estudo suíço, pela queima de madeira. E essa massa de ar poluído pode ser letal: 1,5 milhão de pessoas morrem todo ano, segundo a Organização Mundial da Saúde, em função de doenças respiratórias consequentes da queima de madeira.
Centenas de iniciativas visam ampliar o uso de fogões solares no mundo. Muitos deles são elaborados na Suíça, Áustria e Alemanha. Também no cenário político já foram iniciados inúmeros projetos, mas os avanços globais ainda assim permanecem estagnados. Cerca de um milhão de fogões estão em uso no mundo – enquanto a demanda atual, só do continente asiático, de acordo com a Solar Cookers International Association (SCIA), se aproximaria dos 300 milhões de aparelhos.
"A tecnologia está pronta, o potencial de preservação ambiental é alto. Porém falta um nível de aceitação maior", analisa Marlies Kees, da Sociedade Alemã para a Cooperação Técnica (GTZ).
Muitos projetos carecem de um marketing profissional, segundo ela, que ressalta ainda a importância da manutenção. "As pessoas precisam de um representante que sempre tenha peças de reposição disponíveis, que os encoraje a continuar utilizando os fogões", argumenta Hans Michlbauer. Em boa parte dos casos, os usuários acabam vencidos pelo hábito: muitos se deixam convencer pela nova tecnologia, mas logo voltam ao tradicional fogo à lenha.
"Caixa de Kyoto" oferece uma solução simples
Existem hoje quase 200 modelos de fogões solares: o espectro abrange desde grandes equipamentos com espelhos parabólicos ajustáveis, até modelos mais simples, como as apelidadas "caixas de Kyoto", feitas com embalagens de sapatos e papel alumínio.
Normalmente, um espelho – ou apenas uma superfície espelhada – concentram os raios solares em um receptor (geralmente preto e opaco), sobre o qual são preparados os alimentos. Os raios são absorvidos por esse receptor e seu corpo é aquecido – um isolamento térmico faz com que o calor não se disperse.
A tecnologia, no entanto, não é apropriada para todos os lugares: há problemas em regiões com pouco sol e também onde não se cozinha fora de casa ou onde a escassez de combustível não é tão grave. "Aí costuma ser bastante útil combinar os fogões solares com, por exemplo, fornos que economizem energia", explica Willington Ortiz, do Instituto de Wuppertal, que pesquisa a inserção dos fornos solares no mercado.
Até o momento, a tecnologia tem sido particularmente bem-sucedida em regiões de planalto, que não possuem muitas árvores e têm uma forte incidência solar.
A esse grupo pertencem os territórios dos Andes, assim como o Tibet, o Nepal, a Mongólia e parte da China –, onde 600 mil aparelhos já estão em uso. Todavia, segundo a SCIA, o maior potencial está na Índia. Lá, o governo tem promovido iniciativas nacionais de energia térmica renovável, inclusive fogões solares e principalmente em vilarejos no interior do país.
Na Índia, a escola Muni Seva cozinha à base de energia solarA primeira vila indiana 'livre de fumaça'
Até mesmo as empresas do país já reconheceram o potencial dessa tecnologia e estão engajadas em torná-la, pela primeira vez, em um fator significativo na economia de um país em desenvolvimento. A empresa Gadhia Solar, por exemplo, se transformou na maior fabricante mundial de cozinhas solares.
E foi o seu equipamento que modificou as vilas indianas: em Bysanapali, no estado de Uttar Pradesh, a fumaça proveniente de fogões já não existe mais. Os moradores da região adotaram fogões solares e outras 20 vilas já demonstraram interesse em fazer o mesmo.
A Gadhia Solar também desenvolve plantas maiores, para templos e hospitais. Até 2012, a previsão é de que os 18 grandes projetos já iniciados no país economizem 4 mil toneladas de CO2.
Outro projeto que traz esperança nesse sentido é o centro de estudos e retiro espiritual de Muni Seva, no estado de Gujarat. Todos os alimentos servidos aos alunos da instituição são cozidos usando energia solar. "Seria muito importante que as cozinhas solares fossem incorporadas às escolas e faculdades de forma mais enfática", afirma Marlies Kees. "É necessária toda uma geração para que um comportamento seja alterado. Deveria se começar o quanto antes", finaliza.
Autor: Torsten Schäfer (mdm)
Revisão: Roselaine Wandscheer