do Centro de Estudos Ambientais- CEA
Ao escutar as palavras iniciais do economista e filósofo francês, que começou por citar Hegel numa das suas obras sobre o percurso da Razão na história, que dizia “os tempos felizes são tempos em que os manuais terão páginas em branco” e, hoje, ao contrário desses tempos, vivemos num período de incertezas e o que falta é tempo para pensar, para deixarmos as fórmulas e os discursos ideológicos que são não-pensamento e procurarmos um verdadeiro pensamento que ilumine a acção, claramente percebemos que o centro da sua comunicação se centraria na questão e problema do regime democrático contemporâneo e onde ele nos conduziu e quais as vias ou caminhos para um futuro melhor, neste caso, o decrescimento como via opcional a ter em conta e credível.
É verdade que hoje vivemos numa sociedade do crescimento sem crescimento, isto é, a economia que se diz e que promete crescimento ilimitado é uma economia que acabou por se “alimentar” da própria sociedade, e que busca “crescer só por crescer” e nos conduziu e conduz cada vez mais a um estado de angústia e de desespero. Para além disto, esta é também a sociedade onde o desemprego cresce avassaladoramente e é a sua tragédia, e uma sociedade onde a taxa de suicido é um fenómeno preocupante e, no caso das crianças, deve fazer-nos parar para pensar. Mas, qual a causa apontada para esta situação? Foi e é a toxicodependência pelo consumo; foi ela quem contribuiu para o aumento da tensão social, pois este modelo de sociedade não é nem o desejável nem sustentável, quer seja a curto ou médio prazo. Muitos, inclusive, acreditaram que traria a prometida felicidade, mas estudos realizados em 2006 e 2008 ao índice de felicidade de países e seus respectivos habitantes, curiosamente, mostraram que estes não eram nem os Estados Unidos nem o Canadá ou qualquer país europeu, mas, em ambos os anos, no primeiro lugar estava a Costa Rica, em segundo, a República Dominicana e, no ano 2008, em terceiro, a Guatemala. Resultados curiosos, mas que conclusão poderemos aferir?
Segundo Latouche, que a sociedade de consumo globalizada atraiçoa as suas próprias promessas e que o peso da psique devora esta mesma sociedade (com depressões, dependências, esquizofrenias, etc.). E se esta situação se prolongar teremos uma sociedade a que “chamo da abundância frugal”. Isto é, se não sairmos da “religião” do crescimento e da sociedade do hiperconsumo, estaremos a constituir uma sociedade frugal. Aliás, outro facto apontado pelo pensador francês e inegável é o seguinte: o nosso planeta é finito e o crescimento infinito é impossível num mundo finito. Portanto, temos de falar de algo duradoiro, do que é possível, e se voltarmos a falar do que é possível e de que existem limites, talvez voltemos a ter abundância, mas já uma abundância com limites. Sinteticamente, a proposta é esta: voltarmos a encontrar uma prosperidade sem a promessa de crescimento e cada sociedade terá e deverá construir o seu futuro dentro dos limites do próprio futuro e de um planeta que é finito que para o qual se procura a sua sustentabilidade. E como tornar esta via do decrescimento exequível?
Latouche começou por chamar a atenção àquilo que apelidou do “círculo virtuoso dos oito R(s)”, a saber: reciclar; reutilizar; reduzir; revalorizar; reconceptualizar; reestruturar; redistribuir; e re-localizar, que analisou detalhadamente e exemplificando. Contudo, e sabendo que é necessário algo mais, os objectores do crescimento “oferecem” também um modelo de desenvolvimento assente no decrescimento e que passa por um programa reformista assente em 10 medidas, também elas explanadas pelo orador francês:
1ª- “encontrar” uma pegada ecológica sustentável (devemos passar a consumir menos e de forma diferente);
2ª – reduzir os custos do transporte derivados à internacionalização e criar ecotaxas apropriadas (diminuir os gastos energéticos e financeiros e consumir coisas locais);
3ª – re-localizar as actividades;
4ª – restaurar a agricultura rural (a desertificação não deixará de crescer e face a isto é preciso uma agricultura bioecológica que respeite o meio ambiente);
5ª – reafectar os ganhos de produtividade e reduzir o tempo de trabalho para criar mais empregos;
6ª – retomar a “produção” de bens relacionais;
7ª – reduzir o consumo de energia de um factor 4 (desperdício);
8ª – restringir fortemente o espaço publicitário;
9ª – reorientar a investigação e pesquisa técnico-científica;
10ª – não deixar a Investigação apenas na mão das empresas transnacionais.
Para concluir, Latouche assentiu que tudo isto é bem mais fácil dizer do que fazer. Lembrando a célebre frase proferida pelo então Primeiro-ministro inglês Winston Churchill, a 22 de Junho de 1940, o que nos espera é “sangue, suor e lágrimas” se não sairmos desta ideologia do crescimento.
O Decrescimento é sem dúvida um desafio porque vivemos numa sociedade global que é dominada pela “religião do crescimento” e do consumo desmesurado; em contradição, é verdade e assente que não poderemos ser felizes se não nos pudermos limitar. Assim, o objectivo não de amanhã mas já no presente deve ser: “não produzir o máximo, mas viver bem com o que temos”. Esta é uma das máximas do decrescimento e, podemos ver, que muito desta filosofia já estava patente na corrente do estoicismo. Todavia, hoje, e porque vivemos já não em democracia mas naquilo a que alguns chamam de “pós-democracia”, uma sociedade dominada pelos meios de comunicação e pelos fazedores de opinião (opinion makers), por estratégias manipuladoras onde o povo já não decide; esta – o decrescimento – é mesmo, no entender de Latouche, a alternativa ao beco sem saída em que nos encontramos e é preciso arriscar.
Em síntese, o decrescimento é apresentado ao longo da argumentação do orador Serge Latouche como o garante da sobrevivência do nosso planeta num futuro não longínquo mas já próximo. No entanto, não temos – nem podemos ter, com os dados presentes – boas razões para aferir de que esta representação da realidade é a própria realidade e que será pela via do decrescimento que se solucionarão todos os problemas. Sendo o decrescimento um modelo possível, então, também ele é um modelo falível.
Miguel Alexandre Palma Costa
(Comunicação: O decrescimento: um caminho adequado para o futuro?, in IVª Conferência Internacional do Funchal, 04 e 05 de Novembro de 2011)