sábado, 26 de fevereiro de 2011

PREÇO DOS ALIMENTOS DEVE ACARRETAR NOVA CRISE

Suíço prevê nova crise no preço dos alimentos

A especulação não gera um aumento dos preços, mas acentua, disse Ronald Jaubert.
A especulação não gera um aumento dos preços, mas acentua, disse Ronald Jaubert. (Reuters)
Por Pierre-Francois Besson, swissinfo.ch

Os preços dos alimentos alcançam níveis recordes, ameaçando o sustento de milhões de pessoas. Uma crise previsível depois da última de 2007-2008, que segundo um especialista suíço em política agrícola, não serviu de lição para a economia mundial.

Entrevista com o professor do Instituto de Estudos Internacionais e do Desenvolvimento (HEID) e da Faculdade de Geociências e Meio Ambiente da Universidade de Lausanne, Ronald Joubert.

swissinfo.ch: Estamos no início de uma nova crise alimentar, tal como anunciado pela FAO e pelo relator especial da ONU para o direito à alimentação?




Ronald Jaubert: Fala-se hoje de crise alimentar, quando de fato trata-se de uma crise de alta dos preços. Com quase um bilhão de pessoas consideradas desnutridas, o mundo está enfrentando uma crise alimentar há muitos anos.
As crises de preço - a de 2007-2008, como a atual - só amplificam a situação. Mas estamos passando por uma crise alimentar já faz alguns anos, só que não queríamos necessariamente ver.
swissinfo.ch: E por que não?
R.J: Na verdade, o apoio à agricultura desapareceu da agenda internacional nos anos noventa e início de dois mil. Um exemplo, e não é para criticá-la: a DDC [Agência Suíça para Cooperação e Desenvolvimento] fechou sua seção agrícola.
É difícil encontrar uma explicação para essa evolução aberrante. Mas a questão agrícola já não parecia um problema. Estávamos em uma situação de declínio dos preços agrícolas a longo prazo. No entanto, permanecia um problema significativo de desnutrição.
swissinfo.ch: Quais são as consequências do atual recorde na alta dos preços dos alimentos?
RJ: Para os países mais pobres, incluindo os países importadores, essa situação irá provocar um aumento na nota. Ele irá agravar o problema da desnutrição. Em 2007-2008, a crise dos preços impulsionou o número estimado de pessoas subnutridas de 850 milhões para mais de um bilhão.
A questão é saber quais são as origens da crise. É preciso ter realmente consciência da necessidade do restabelecimento do sistema de controle dos preços agrícolas.
swissinfo.ch: De que forma?
R.J.: Não há solução simples. A atual crise dos preços é o produto de uma combinação de fatores: a especulação, os efeitos de más colheitas em vários países, etc. Por conseguinte, é necessário desenvolver uma série de medidas de curto e médio prazo.
Uma questão que vem sido discutida, por exemplo, é a influência da especulação sobre os preços. Hoje ainda é difícil de medir realmente esse efeito. Mas ele existe, é óbvio. A especulação não gera o aumento dos preços, mas o acentua. Ela se alimenta da volatilidade dos preços.
Perante esta situação, podemos tentar limitar a especulação em geral. Mas parece que começamos mal, faltam medidas para isso. A outra opção, seria dar um jeito para que a especulação não encontre campo de ação na agricultura. Em outras palavras, que se crie um controle da volatilidade dos preços.
swissinfo.ch: Quem é capaz de impor essa agenda?
R.J.: É o que nós gostaríamos de saber. Vários líderes políticos insistem na ideia de regulamentar a especulação. Aliás, não só sobre os preços agrícolas. Um elemento que incomoda particularmente é a especulação com as matérias primas, incluindo o petróleo. Mas além da constatação nada é feito. Parece que os especuladores, principalmente os bancos e os fundos de investimento, impõem uma forte resistência.
swissinfo.ch: Além da especulação, quais são as outras alavancas da crise alimentar?
RJ: É preciso reinvestir na agricultura, aumentando a produção agrícola de acordo com o crescimento da população e constituindo estoques. A produção agrícola é variável em sua natureza. Depende do clima e de seus caprichos. Não é previsível com exatidão antes da temporada. O que as sociedades sempre fizeram antes que perdêssemos a razão, foi criar estoques para lutar contra as irregulariedades.
swissinfo.ch: Costuma-se dizer que a produção agrícola é suficiente, o problema é a má regulamentação dos mercados agrícolas, o que geraria as crises…
RJ: É em grande parte verdade, o que nos leva novamente à questão da especulação. Dito isto, é preciso realmente aumentar a produção e diversificá-la. A humanidade depende, em mais de 85% do seu consumo de cereais, de quatro tipos de grãos [trigo, arroz, milho, cevada]. Tudo se passa em mercados bem estreitos. Imaginar uma maior diversidade é aumentar as oportunidades de substituição. Os preços do trigo começam a subir? Então come-se outra coisa. Mas no momento, a especialização é tal que não temos escolha.
swissinfo.ch: Diante dessa crise, o que pode um país como a Suíça?
RJ: Eu não tenho certeza que ela possa agir sózinha. Como pode um pequeno país, com um mercado relativamente pequeno, ter uma influência sobre os preços agrícolas? Parte da especulação com as matérias-primas, agrícolas principalmente, é feita a partir de Genebra. A Suíça tem capacidade de regular o setor sozinho? Obviamente que não. Além disso, se as autoridades suíças decidirem mesmo de regulamentar essa atividade, ela simplesmente se mudaria para outro lugar, é claro.
swissinfo.ch:  Então, qual é a saída?
RJ: A médio e longo prazo, todos concordam que os preços agrícolas vão aumentar. É mais propício para o investimento na agricultura. Ao mesmo tempo, a volatilidade dos preços do atual período torna difícil investir. Como planejar se os preços podem variar de um a três? De alguma forma, estão arruinando as chances de investimento nesse setor.
Em todo caso uma coisa é certa: se, como depois de 2007-2008, não houver mudança de atitude, se nós não aprendermos a lição, uma nova crise pode ser prevista dentro de dois ou três anos.


Pierre-Francois Besson, swissinfo.ch

Adaptação: Fernando Hirschy