sábado, 5 de março de 2011

UNB - PESQUISA



PESQUISA - CARNAVAL E POLÍTICA

Elza Fiuza




Pacotão: há 33 anos botando o bloco na rua
Dissertação de mestrado em História defende que a agremiação brasiliense já é tradição
Thais Antonio - Da Secretaria de Comunicação da UnB






Em 1977, o então presidente da República Ernesto Geisel, penúltimo general a comandar o país durante a ditadura, lançou um conjunto de leis para alterar as regras das eleições. As mudanças ficaram conhecidas como “Pacote de Abril”. No ano seguinte, saía nas ruas de Brasília, o Pacotão, um bloco de carnaval formado por jornalistas que debochavam do novo ato de força dos militares. Desfilando sempre pela contramão da W3, a Sociedade Armorial, Patafísica e Rusticana – nome oficial do bloco – criticou a distensão lenta, gradual e segura do regime pregada por Geisel. 


Os tempos são outros, mas até hoje o bloco não parou de satirizar e ironizar o governo e a política. E nem abriu mão de ocupar a rua no sentido sul-norte, mesmo caminhando no sentido norte-sul. Alisson de Andrade, professor de História da Secretaria Estadual de Goiás, contou como o Pacotão fez história na dissertação Experiências de um carnaval não organizado: a tradição de um bloco de sujos na capital federal, defendida pelo Programa de Pós-graduação em História da UnB, em 2009.

Até 2007, ano em que começou a pesquisa, Alisson só conhecia o bloco pelo nome. Ele nem era nascido quando a agremiação começou a fazer parte do calendário do carnaval da cidade. Mas desde que se uniu ao coro dos brasilienses que criticam a política, não parou mais. Este é o quarto ano em que o folião sairá da 302 norte rumo à Asa Sul pela contramão da W3.

A ideia de fazer uma dissertação sobre o Pacotão surgiu quando Alisson começou a frequentar aulas de História como aluno especial do mestrado. “Me veio a ideia de pesquisar a cultura de Brasília se posicionando contra a ditadura militar”, conta. “Queria ver o que a massa brasiliense fazia para contestar”. Quando começou a levantar dados para a pesquisa, chegou à agremiação carnavalesca. “O princípio gerador da festa lá na década de 1970 tinha um modelo de sátira política, brincadeira, ironia. O bloco é caracterizado por essa dinâmica”, explica o pesquisador.
Elza Fiuza
 Bloco Pacotão na descida da W3, na contramão
TRADIÇÃO - Ao longo da pesquisa, ele buscou definir o conceito de tradição. “Muitos teóricos contestam a existência de tradição em Brasília”, explica. Para estes teóricos, a cidade é muito jovem para ter hábitos e costumes considerados tradicionais. Alisson discorda. “Já tem uma geração que é de Brasília. Temos costumes do país inteiro mesclados e Brasília é um pólo agregador de todos”. Sendo assim, o pesquisador concluiu: o Pacotão é tradição. 

Um dos organizadores do bloco, José Antonio filho – conhecido como Joanfi – acredita que o bloco é a manifestação carnavalesca mais legítima de Brasília. “Em uma cidade de 50 anos, uma manifestação que tem 33 está, logicamente, enraizada no imaginário das pessoas”, diz. Para ele, a cultura muda e, com isso, muda o Pacotão também. “Nós não temos um inimigo comum como na época da ditadura. O Brasil vive em plena democracia. Antes da anistia, o Pacotão era o único desaguadouro”.

O orientador da pesquisa, José Walter Nunes, afirma que Alisson mostra que é possível falar de política a partir de uma manifestação cultural. “O Pacotão é uma tradição que se reiventa com o passar dos anos. É uma tradição que se transforma de acordo com as condições sociais e políticas do país”, explica. Para o professor, os foliões do bloco incorporam as contradições vividas pela sociedade. “A alegria e a crítica são permanentes. Isso é o substrato do bloco. Não se pode falar de algo estanque”. 

Alisson acredita que o bloco continua até hoje pelo fato de não assumir uma ideologia política específica. “O Pacotão sobrevive porque conseguiu superar esse desejo de aparelhagem ideológica. Cada um chega com sua fantasia e vai brincar de acordo com suas convicções ideológicas”, afirma. Mas reforça: não há neutralidade. “É claro que a crítica à direita é mais forte, só que não significa que não exista crítica à esquerda”, diz. O pesquisador defende que o Pacotão não está nem à esquerda, nem à direita nem ao centro. “É uma espécie de catalizador do sentimento da população de Brasília”.