sábado, 2 de outubro de 2010

DESMATAMENTO ZERO


Desmatamento zero só é viável para a Amazônia
Desmatamento zero só faz sentido para a Amazônia (Foto: Divulgação)

O “desmatamento zero” faz sentido para a Amazônia, mas não para o Cerrado, que deve ter áreas de conversão para a produção agrícola eficiente. A opinião é do agrônomo André Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), organização voltada para estudos e projetos sobre agricultura e agronegócio no Brasil e no mundo.

Segundo ele, ainda há 100 milhões de hectares intocados no Cerrado e é fundamental para o país considerar a conversão de pelo menos mais 30% dessa área, sob pena de o Brasil não acompanhar a crescente demanda mundial de alimentos e do uso de biocombustíveis. Nassar assume a perspectiva econômica da questão, dizendo que a produção não pode parar.

"O que precisamos fazer é utilizar as áreas convertidas em agricultura boa, e não em pastagem – essa sim é ineficiente. Mas não podemos ser ingênuos de desprezar o potencial agrícola do Cerrado pregando o desmatamento zero nesse bioma. Isso vale para a Amazônia, não para o Cerrado. Parte dos 50% ainda não devastados pode ser aproveitada no uso agrícola mais eficiente”, afirmou.

Nassar participou da mesa-redonda “O Código Florestal e a multiplicação das queimadas”, promovido pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) e pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam), ambos da Universidade de São Paulo (USP). O objetivo era debater a questão da biodiversidade associada às queimadas e à revisão do Código Florestal.

Dos 278 milhões de hectares ocupados pelo setor agropecuário no Brasil, cerca de 83 milhões estão em situação de não conformidade com o Código Florestal e teriam que ser recuperados – os processos de uso e exploração do solo acabaram deteriorando as qualidades produtivas dessas áreas. “O desafio é: como chegar a uma equação disso”, acrescenta Nassar.

O Brasil possui uma área total de 850 milhões de hectares, sendo que 537 milhões são áreas que preservam boa parte da vegetação natural (floresta, caatinga, pampa). Desses, 170 milhões de hectares estão em Unidades de Conservação e Terras Indígenas. O restante, 367 milhões de hectares, em sua maior parte, estão em áreas privadas, nas quais se aplica o Código Florestal.

As APPs representam um total de 103 milhões de hectares. Desses, 59 milhões permanecem com vegetação natural, tendo um déficit de 44 milhões de hectares. As perdas estariam divididas uniformemente em todas as regiões do país. Já o total de área de RL é 254 milhões de hectares, sendo calculado um déficit de cobertura dessas reservas de 43 milhões de hectares.

Para Nassar, a motivação central para a reformulação do Código Florestal deve ser “a equação inteligente do passivo”, isto é, como pensar numa solução de compromisso dos produtores e o custo compartilhado do desmate. “Mas sem achar que com isso se vai restaurar os 43 milhões de hectares ”, salienta. 

O agrônomo defende um conceito diferente de “compensação”, propondo que grande parte dos 43 milhões de hectares já desmatados poderiam gerar uma “amortização” de outros 43. “É preciso pensar no aspecto econômico, sem  perder a perspectiva de preservar aquilo que pode ser preservado”, disse, referindo-se às áreas de reservas legais (RL) e de preservação permanente (APP).

Base científica 

Um argumento bastante usado pelos ruralistas e parlamentares favoráveis a mudanças do Código Florestal é a falta de embasamento científico e técnico na lei federal em relação ao uso e manutenção de áreas de preservação permanente (APP) e reservas legais (RL). Victor Eduardo Lima Ranieri, da Escola de Engenharia de São Carlos USP, começou sua participação no evento rebatendo.

“Não é verdade que o Código Florestal não tenha base científica. Vários cientistas foram participaram das discussões durante a elaboração do documento. Pode ser  que eles não tenham sido escutados. Mas que participaram, participaram”, afirmou. Ranieri criticou a anistia aos proprietários rurais que desmataram ilegalmente até 22 de julho de 2008.

“Isso é um estímulo à ilegalidade”, afirmou. Ele não soube estimar quanto o governo deixará de receber devido ao perdão das multas aplicadas entre 1998 e 2008 na Amazônia Legal, conforme prevê o novo Código, de autoria do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Mas disse que o ponto principal não é o valor, e sim o precedente que se está abrindo.

Queimadas e saúde

A bióloga Sandra Hacon, Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro, encerrou o ciclo de apresentações falando da relação entre biodiversidade e saúde. “Fala-se muito em queimadas, código florestal etc., mas, via de regra, se esquecem de colocar no centro das discussões a questão da biodiversidade”, afirmou.

Hacon, que coordena pesquisa sobre efeitos nocivos das queimadas para a saúde humana na Amazônia, foi contundente ao dizer que “a saúde da biodiversidade é tão importante quanto à saúde humana, porque biodiversidade significa ‘vidas’. E cada vida que se acaba por meio das queimadas e do desmatamento acaba tendo conseqüência na saúde humana”.

De acordo com a bióloga, seu estudo constatou que em algumas áreas criticas do chamado “arco do desmatamento”, crianças e adolescentes entre 6 e 16 anos tiveram a sua capacidade pulmonar reduzida devido à intensificação de material particulado na atmosfera, principalmente a fumaça. As partículas penetram profundamente nos pulmões e atingem a corrente sanguínea, provocando dificuldades na expiração conforme os níveis de poluição.

Os principais resultados mostram que para cada aumento de 10 ug/m3 de material particulado fino há uma redução de até 0,34 litros por minuto de ar expirado. “Registramos também um aumento de até 7% no número de consultas ambulatoriais e de internações hospitalares por doenças respiratórias de crianças e idosos, Alta Floresta e Tangará da Serra, no Mato Grosso”, relatou.

Para Hacon, é “perigoso” defender o demastamento de mais 30% do Cerrado, como propugna André Nassar. “Ao defender isso, você está dizendo que é possível destruir a biodiversidade desses 30%. E como fica o ecossistema? Será que a perspectiva econômica não considera o funcionamento do ecossistema. Quando é que isso será compreendido como um problema de toda a sociedade”, questionou.

Fonte: Ana Paula Freire - Portal D24 AM