FAPERJ
Vilma Homero
Divulgação / UFRRJ
Ao lado do técnico em química Victor França, os alunos
Marcio e Camila, da UFRRJ, aprendem sobre pesticidas
Os pesticidas têm uso intenso na agricultura brasileira. O Rio de Janeiro não é exceção e os chamados agrotóxicos entram no cultivo de frutas, legumes e hortaliças. Para a pesquisadora Cristiane Martins Cardoso, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a questão é saber se esses produtos estão sendo empregados respeitando-se os períodos de quarentena, ou seja, bem antes da fase prevista de colheita, para evitar que os resíduos permaneçam aderidos à superfície dos vegetais. O que acontece, entretanto, é que, na maioria dos casos, ainda há presença de resíduos em frutas e hortaliças prontos para o consumo. "É uma ameaça invisível. A longo prazo, tudo isso pode trazer prejuízos à saúde."
Para investigar a qualidade de frutas e hortaliças comercializadas no município de Seropédica, num projeto desenvolvido com recursos do programa de Apoio a Projetos de Extensão e Pesquisa, da FAPERJ, a pesquisadora realizou testes em três tipos de produtos, nos quais o uso de pesticidas é considerado mais frequente e mais intenso: o pimentão verde, a uva e o morango. "Queríamos detectar em que medida os resíduos de defensivos agrícolas permaneciam em frutas e verduras. Para isso, contamos com a participação de alunos da universidade, bolsistas do programa de Bolsas Institucionais de Extensão (Biext) do decanato de Extensão/UFRRJ. Buscamos assim mostrar como a pesquisa acadêmica pode ser aplicada diretamente na resolução de problemas da comunidade", explica a pesquisadora.
Para o trabalho, ela recorreu ao teste elaborado e patenteado pelo pesquisador Mauro Velho, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). "Os pesticidas mais usados na nossa agricultura são os organofosforados e carbamatos, empregados no cultivo de frutas e hortaliças, que têm em comum o fato de se tratar de inibidores da enzima acetilcolinesterase (AChE). Isso quer dizer que eles atuam nas pragas que combatem, provocando-lhes alterações neurológicas, reprodutivas, imunes ou metabólicas." Ao contrário das tradicionais análises caras e trabalhosas, que geralmente requerem a extração, separação e quantificação dos pesticidas, o kit do professor Velho emprega biossensores enzimáticos simples e baratos para a detectar os resíduos de pesticidas.
"Os vegetais comprados nos mercados da região foram lavados com detergente específico de laboratório para retirada de pesticida. E a água usada nessa lavagem foi testada para verificar se houve inibição ou não de enzima acetilcolinesterase, o que indica a presença de agrotóxicos", afirma a pesquisadora, que repetiu os experimentos em diferentes épocas do ano para verificar se havia variações. "Pelos nossos testes, observamos que em pimentões e morangos a inibição da colonisterase chegou a cerca de 50%, e nas uvas essa inibição chegou até a 80%.
Segundo a pesquisadora, a enzima acetilcolinesterase é de fundamental importância nos mecanismos de transmissão do impulso em sinapses colinérgicas do sistema nervoso, e é também o principal alvo dos inseticidas fosforados e carbamatos, que são potentes inibidores dessa enzima. A inibição da acetilcolinesterase leva a bloqueios das sinapses colinérgicas, tanto em insetos quanto nos seres humanos. O que acontece com as pragas agrícolas é também o que acontece com aqueles que, de uma forma ou de outra, se vêem expostos a esses pesticidas. As diferenças são quanto ao grau da exposição e ao tempo para aparecerem os sintomas. "Para os insetos, que morrem por asfixia, é imediatamente fatal; para o agricultor, que muitas vezes manuseia esses produtos sem a proteção adequada, essas substâncias vão se acumulando no organismo, provocando primeiro leves tremores, cansaço, salivação e à medida que o problema vai se agravando, os músculos respiratórios vão sendo afetados e ocorre insuficiência respiratória. A longo prazo e em exposições frequentes, como no caso dos consumidores, pode ocorrer atrofia dos músculos das pernas e braços, paralisia, distúrbios de coagulação sanguínea e alterações psicológicas. E isso pode ser um processo longo e irreversível."
Para reverter essa situação, a indústria química tem tentado criar pesticidas mais específicos, que não tenham influência para outras espécies que não as que se deseja combater. Tal como acontece com os organofosforados, que acabam sendo absorvidos por diversas outras espécies, como as aves, por exemplo. "Muitas vezes, ao ver uma lagarta numa folha de verdura, os consumidores acreditam se tratar de um indício de má qualidade do produto. Mas ocorre justamente o contrário. Na verdade, isso pode dizer que aquela folha tem pouco resíduo de agrotóxico."
Cristiane orienta ainda os consumidores a preferirem frutas e vegetais orgânicos e a dar preferência aos alimentos que possam ser descascados. "Não testamos o interior dos frutos. Mas, embora relatos na literatura falem sobre a presença de pesticidas, sobretudo os de uso maciço, no interior de certos frutos, em muitos casos a casca atua como uma proteção, sobretudo naqueles de casca mais dura." Cristiane recomenda ainda que se deixem os vegetais que serão consumidos numa refeição de molho numa solução de um litro de água com uma colher de sopa rasa de bicarbonato de sódio, por cerca de 30 ou 40 minutos. "Outra alternativa são legumes, verduras e frutas cultivadas por métodos orgânicos." Informações como essas e muitas outras tanto fizeram parte do curso prático, ministrado pela pesquisadora aos estudantes de agroecologia da UFRRJ, como estão sendo reunidas para compor uma pequena cartilha, que será distribuída entre os agricultores da região. "Será um pequeno guia em que esclarecemos sobre os cuidados com o uso de agrotóxicos." A longo prazo, com certeza, a saúde de todos nós agradecerá.