quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

CANCÚN: FRACASSO OU SUCESSO? ARTIGO DE JOSÉ GOLDEMBERG

"Poder-se-ia perguntar se não é incorreto esperar que grandes problemas mundiais sejam resolvidos em conferências internacionais" Henry Romero/Reuters



José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo (USP), presidente de honra da SBPC e foi secretário de Meio Ambiente da Presidência da República. Artigo publicado no "Correio Braziliense":

O principal resultado da Conferência de Cancun foi manter vivo o Protocolo de Kyoto, que está agora como pacientes na UTI de um hospital mantidos vivos com respiração artificial, com expectativa de vida de dois anos, até 2012, mas à espera de algum tratamento novo que possa salvá-lo. Esse não é um resultado desprezível, pois mantém o comércio de certificados de emissão que desapareceria se o protocolo fosse encerrado. Esse comércio movimenta bilhões de dólares no mundo todo, que são canalizados para os países em desenvolvimento, o Brasil entre eles.

As pressões para abandonar Kyoto eram muito fortes e os únicos a defendê-lo foram a União Europeia, que está de fato fazendo grande esforço para reduzir suas emissões, mas que representa, infelizmente, menos de 15% das emissões globais de gases de efeito estufa. Os países em desenvolvimento, por razões radicalmente diferentes - inclusive o Brasil, que tem posição de liderança entre eles -, também defendem a manutenção do protocolo, porque ele não obriga os países em desenvolvimento a reduzirem suas emissões (nesses casos, as reduções são voluntárias).

Essa é uma política irrealista a longo prazo e o Itamaraty, apesar de alertado, sempre se bateu por manter os países em desenvolvimento isentos de obrigações de reduzir as emissões, usando argumentos dúbios, como "responsabilidades históricas" pelas emissões. Se esse argumento fosse aceito, os espanhóis teriam que indenizar os danos que causaram por terem destruído o Império Asteca.

É evidente, pois, que um novo protocolo, mais abrangente que o de Kyoto, terá que ser adotado adiante. Sem a adoção de metas para reduções das emissões pelos países em desenvolvimento, não será possível evitar o aquecimento global em grande escala. Os países industrializados simplesmente não poderão fazê-lo sozinhos. Manter o Protocolo de Kyoto vivo até 2012 abre espaço para negociações que terão que ocorrer nos próximos dois anos.

A grande oportunidade para adotar um novo protocolo é a COP-18, de 2012, que deverá ser no Rio de Janeiro, quando se fará um balanço dos 20 anos da Convenção do Clima. A COP-17, em Durban (África do Sul), será apenas uma reunião preparatória para ela. Por essa razão, o novo governo federal deveria iniciar logo os preparativos para que isso ocorra e para que torne a conferência em 2012 um grande evento internacional.

Poder-se-ia perguntar se não é incorreto esperar que grandes problemas mundiais sejam resolvidos em conferências internacionais. A resposta é que elas têm que ser precedidas por negociações entre os atores mais importantes - e, no caso de mudanças climáticas, o Brasil é um deles.

Decisões tomadas nessas conferências de cúpula são instrumentos jurídicos de grande importância que, uma vez ratificados pelos parlamentos dos países, se tornam mandatórias. Com isso se cria uma pressão crescente para a sua adoção nos países com governos que têm reticências ou resistências. Com decisões tomadas na cúpula, as forças internas mais esclarecidas são estimuladas pelos acordos internacionais e eventualmente conseguem convencer governos a mudar de posição.

Foi o que ocorreu recentemente em Nagoya, com a Convenção da Biodiversidade, adotada com a Convenção do Clima em 1992 mas que só agora (quase 20 anos depois) aprovou protocolo com metas e prazos - únicos instrumentos realistas para avançar na proteção da natureza.

Por essa razão, a decisão de limitar o aquecimento global a 1,5ºC - não a 2ºC, como estabelecido em Cancun - não passa de exortação, visto que não ficou claro quem deve fazer o que para cumpri-la. De qualquer forma, ficou ainda mais evidente que, sem ações concretas dos países em desenvolvimento, o objetivo não será atingido, o que reforça a necessidade de ampliar o Protocolo de Kyoto com metas e prazos que incluam a China e outros.

Além disso, vale a pena mencionar que se avançou um pouco na organização do fundo para ajudar os países em desenvolvimento, a ser administrado pelo Banco Mundial, que deverá atingir US$ 100 bilhões por ano em 2020.
 FONTE- CORREIO BRASILIENSE