sábado, 4 de dezembro de 2010

Produzir para Conservar - os desafios da Amazônia na era das incertezas



Bertha Becker propõe ao novo INCT Biodiversidade e Usos da Terra na Amazônia uma visão estratégia para pensar a região

Agência Museu Goeldi 
 Mudar o padrão de desenvolvimento da Amazônia no sentido de distribuir a riqueza e não destruir o meio ambiente, considerando a questão da territorialidade e a escala das ações. Esse é o desafio proposto, à comunidade científica e aos demais atores sociais da região, pela Dra Bertha Becker, do Laboratório de Gestão do Território da Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante a conferência inaugural do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia (INCT), ocorrida no último dia 12, no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), em Belém.
O evento foi aberto pela diretora do Museu Goeldi e coordenadora do INCT, Ima Vieira, que após tecer breves comentários sobre os objetivos gerais do novo projeto em rede, fez a leitura da carta do Dr. Marco Antonio Zago, presidente do CNPq, que saudou o lançamento do INCT, defendendo a necessidade de um novo grau de organização para avançar o conhecimento sobre a Amazônia.
Por mais de uma hora, Becker, que pesquisa a região há quase 40 anos, falou para um auditório lotado sobre os desafios da sustentabilidade da região. “São algumas questões que tenho pensado sobre a Amazônia nos últimos anos, que considero como a era das incertezas”, explica a geógrafa, que avalia a história da Amazônia completamente diferente da do resto do Brasil. “É uma história caribenha, de grandes expedições, saques e pirataria”, afirma. “Até hoje a Amazônia não é uma região integrada, pois ainda não conseguimos romper com esse quadro histórico, de pirataria e de bolhas econômicas que não geram nada localmente”. As bolhas, explica Becker, se insuflam com o mercado, mas quando este acaba vão embora sem gerar raízes.

Durante a conferência, Bertha Becker, que integra o Comitê Gestor do INCT em Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia, juntamente com a diretora do Museu Goeldi, Ima Vieira, e os pesquisadores Alexandre Aleixo (MPEG), Márcia Maués (Embrapa Amazônia Oriental) e Izildinha Miranda (Universidade Federal Rural da Amazônia), enfatizou a importância da ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável na Amazônia. “Hoje há formas de produção perfeitamente utilizáveis e factíveis que permitem otimizar os recursos sem destruí-los”.

Becker ressaltou que o desmatamento da Amazônia só será contido se for atribuído valor econômico à floresta em pé. “Enquanto a floresta em pé não tiver valor econômico, ela vai valer menos que a soja, o pasto. Por isso o esforço tem que ser no sentido de manter a floresta em pé, mas com valor econômico”.

Zoneamento natural - Uma das estratégias apontadas pela pesquisadora é o respeito ao zoneamento da própria natureza. “Existe um macro-zoneamento da natureza que nunca foi respeitado, mas que tem a sua força”, afirma. Em sua análise ela considera três cenários predominantes na região - áreas de mata densa; de mata aberta e transição; e as áreas desmatadas. Apoiada em mapas do IBGE, Bertha sinaliza como a floresta ombrófila densa resiste a penetração humana, mantendo uma relativa integridade. Os adensamentos humanos estão localizados, em sua maioria, nas áreas de mata aberta e de transição.

Segundo Becker, um dos desafios para a ação na região é defender a mata densa, sem isolamento, com atividades produtivas adequadas, convertendo as cidades em defesas da floresta. Cidades históricas da região, algumas delas atualmente estagnadas, seriam equipadas para trabalhar em redes, que buscariam explorar, com base em pesquisa e de forma industrial, os serviços ambientais proporcionados pela floresta e os produtos não madeireiros. “Vamos voltar para as ‘drogas do sertão’ modernizadas”, sugeriu Becker, de forma bem humorada. Trata-se de construir um cinturão de blindagem flexível para proteger a mata densa, implicando em construir “laboratórios de floresta” e estimulando a circulação fluvial, por exemplo.

Por sua vez, as áreas de matas abertas podem ser utilizadas para a extração de madeira, mas de forma racional. “Temos que industrializar a produção madeireira e abrir mercados para a utilização de madeira com valor agregado. É preciso pesquisa de ponta”, acrescenta a especialista.

E qual seria o papel da Amazônia desmatada? Esta possibilita múltiplas atividades, analisa Bertha, devendo ser o campo para uma agricultura moderna e a pecuária intensiva associadas a produtores familiares. Ela preconiza outro modelo de reforma agrária, com a instalação de “fazendas solidárias”, que agrupariam no mínimo 50 famílias, bem localizadas perto de estradas, com assistência técnica e reservas florestais comunitárias. Os espaços sem mata deveriam ser aproveitados também para a instalação de uma indústria flexível, de pequeno e médio porte para provir de bens o setor agropecuário. E ainda seria o campo da indústria de mineração e de novas formas de produção.

O reflorestamento das áreas desflorestadas também deveria adotar outro procedimento, buscando o plantio de espécies nobres com demanda de mercado, defende Bertha Becker, que aponta o dendê como uma espécie para ser estudada e debatida.

Cidades - Durante a conferência, Becker destacou a urbanização como uma das principais transformações da região nas últimas décadas. “A Amazônia não pode se desenvolver sem pensar nas cidades, que merecem uma atenção melhor, principalmente com relação à prestação de serviços à população”.  Para a geógrafa, as cidades são estratégicas tanto para o desenvolvimento quanto para a contenção do desmatamento. “As cidades têm que ser o centro das cadeias produtivas e também devem agir como um verdadeiro ‘cinturão de blindagem flexível’ das matas densas”, propõe Bertha.

Territorialidades – Becker encerrou a conferência explicando conceitos importantes para pesquisar e planejar a região, abordando o território e as novas territorialidades do espaço amazônico. O Estado não é o único a agir no território: “temos hoje poder e território multidimensionais”, avalia. Sinalizando que “a interação social tem um papel importante na construção dos territórios, porque gera conhecimento sobre ele”, Becker explicou ainda que a territorialidade - a face vívida do poder - é manifestada em todas as escalas e que estas são arenas políticas. As “escalas” são produzidas pelas “territorialidades”, que se constituem na relação com o espaço que tentam afetar e influenciar ações através do controle do território.

Na virada do milênio existe uma reconversão institucional e geográfica brutal, onde são questionados o papel do Estado, do Governo, das instituições e a concepção de território. Associada a este processo, há um reescalonamento das instituições e das atividades regulatórias estatais. Becker também observa uma tendência danosa de substituir governo por governança. Instituições, como o Estado, demonstram a importância da história, são expressões do desenvolvimento e necessitam de uma organização mais eficiente. Risonha, a cientista, referência obrigatória em geografia política do Brasil e da Amazônia, enfatiza que “a cada momento temos a oportunidade de escolhas, de mudanças do quadro institucional herdado”. Para ela, o quadro atual vivido na Amazônia só se modifica com a ação forte e séria das organizações e a pressão da sociedade.
Texto: Maria Lucia Morais e Joice Santos