sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Programa indica a evolução das práticas de gestão ambiental e ocupacional

Por uma tinta ‘limpa’




ISABEL GARDENAL/jornal da Unicamp

Ter um setor industrial onde uma grande maioria dos atores sociais não compreende, ou não sabe dimensionar completamente, os riscos de suas atividades é um problema sério. É possível enfrentar esta situação quando se consegue obter uma ferramenta fácil de usar, que é capaz de esclarecer onde estão estes riscos e, a partir daí, atuar de forma preventiva, integrando variáveis, sejam elas ambientais, de segurança e de gestão de produto nas tomadas de decisão da empresa.

E estas ferramentas existem. Uma delas foi não apenas estudada, mas também implementada no Brasil e responde pelo nome de Coatings Care. Ela foi posta em prática e constituiu objeto de tese de doutorado defendida na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) pelo engenheiro químico Ivan de Paula Rigoletto, orientado pelo professor da FEM Waldir Antonio Bizzo.

Os resultados obtidos no programa indicam a evolução das práticas de gestão ambiental e ocupacional no setor de tintas, bem como o crescente nível de maturidade apresentado pelo programa. Também a análise dos resultados brasileiros, comparados aos obtidos em outros países, permite identificar as ações a serem tomadas para a melhoria e evolução do programa.

Rigoletto implementou com sucesso o programa, que é uma iniciativa voluntária de gestão do tipo Care, bastante comum em alguns segmentos industriais de alto potencial de risco. No Brasil, comenta, é mais conhecido o programa Atuação Responsável, do setor químico. O Coatings Care, a bem dizer, é uma inovação que chegou ao país em 2002, tendo como gestora a Associação Brasileira dos Fabricantes de Tinta (Abrafati), que zela pela sua ampliação.

Esse programa especifica critérios que apontam para práticas de caráter ambiental, ocupacional, de saúde, de segurança e até mesmo social, que podem ser adotados, no caso do estudo, pelos fabricantes de tintas, para uma melhor gestão destas variáveis no âmbito das empresas.

No momento, Coatings Care já pode ser considerado implementado no Brasil, uma vez que os fabricantes, que respondem por mais de 70% do volume de tintas, assumiram-no dentro dos seus processos de gestão empresarial. Foi um grande avanço, assegura Rigoletto. “Na medida em que existe uma ferramenta que ajuda a definir prioridades, propor ações e entender para onde se deve ir, as medidas deixam de ser etéreas. Funcionam agora como estratégia.”

O uso do programa, explica Rigoletto, significa – em outras palavras – o estado da arte num processo de administração e gerenciamento desses aspectos dentro de indústrias de tintas. Aliás, a sua adoção tem um componente interessante que é o fato de não existir aspecto legal ou até mesmo pressão social para que sejam implementadas as práticas de gestão. “Isso tudo vem como uma evolução natural pelo despertar ambientalista que está acontecendo no mundo desde 1960.”

Mas, para o pesquisador, o Brasil está um pouco atrasado em relação ao Hemisfério Norte. Nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo, chegou em 1996, partindo depois para a Europa. Entretanto, desde que foi apresentado ao Brasil, o Coatings Care trouxe ganhos bastante significativos para as empresas, pequenas e médias a priori, que começaram a empregar o programa. “Ele foi bebezinho, já passou pela fase ‘rabugenta’ da infância e hoje está quase deixando a adolescência”, compara Rigoletto.

Na época da sua concepção, relata o engenheiro, ele coordenava o Grupo de Meio Ambiente, Saúde e Segurança do órgão e foi convidado a estabelecer uma estratégia para repassar o bê-á-bá do programa no Brasil e coordená-lo até o ponto de “caminhar com pernas próprias”. É o que ele tem feito desde 2003.

O pesquisador inclusive chegou a coletar 4.233 dados nas empresas que realizaram suas adesões ao programa. Esta tarefa foi cumprida, transformando ferramentas voltadas ao planejamento estratégico e gerenciamento de projetos de um modo bem particular. Foram utilizadas na etapa de planejamento as metodologias das Cinco Forças de Porter, SWOT e Cadeia de Valor de Porter, modificadas em função de um problema para o qual não foram desenvolvidas originalmente. Para a implementação, foram adotadas as metodologias PMBOK e PSII.

Panorama

Rigoletto admite, no entanto, que – daqui a dez ou a 20 anos – a saída poderá ser outra e, quiçá, mais evoluída. Porém desde já realça que a aposta está em reconhecer que a tendência de qualquer sistema de gestão será a de prevenir os riscos. Neste sentido, quando se fala de um programa voluntário de gestão ambiental e de segurança, acaba-se de certa forma também prevenindo riscos cujas consequências muitas vezes são até mesmo imprevisíveis, o que torna vantajoso optar por um sistema de gestão.

Outro aspecto que saltou aos olhos na tese, enfatiza ele, foi apurar que algumas empresas de atuação global já possuíam uma política e traziam de suas matrizes uma característica muito parecida com os elementos do programa. “Agora, para as empresas nacionais de pequeno e médio porte, o seu contato com um sistema de gestão tão abrangente como o Coatings Care foi a primeira experiência para o setor. Antagonicamente, o benefício não foi tão visível para as empresas globais. Foi superior para as empresas menores”, avalia.

O setor de tintas envolve nacionalmente mais de 300 fabricantes, mais de 18 mil empregados diretos e produz um pouco mais de US$ 3 bilhões por ano, revela Rigoletto. Não se trata, segundo constatou, do setor que mais cresce, mas sim de um setor que ainda tem espaço para expansão. Apesar do consumo de tintas no país não ser comparável ao de alguns integrantes do Hemisfério Norte, a questão não é bem essa pois, como todo setor da indústria química, também traz uma série de riscos. Olhando esses riscos sob uma perspectiva mais gerencial e tomando as ações para que estes riscos sejam mínimos, as consequências tornam-se bem mais previsíveis.

Como este programa é encabeçado pela Abrafati e dele podem participar apenas os seus associados, mostra Rigoletto, o órgão tem ainda a finalidade de debater os interesses comuns do setor coletivamente, sobretudo com vistas a evitar questões como o trust, barreira comercial. Mas a ideia do programa é que ele seja expandido ainda para aqueles fabricantes que não integram a Abrafati e que porventura queiram participar desta iniciativa, amiúde numa etapa de verificação ou alguma inspeção ou auditoria.

O Coatings Care, prossegue o engenheiro, é um programa global usado por 11 países. O Brasil é o primeiro deles fora da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a ter implantado este programa. Um outro país que seguiu a mesma linha de planejamento estratégico do Brasil, que vem um pouco atrás dele, e que deve ter o programa bem-sucedido, já que a ferramenta é a mesma, é o México.

As áreas de atuação do programa ainda perpassam segurança do trabalho, segurança de processos (que consiste em analisar os riscos dos seus processos causarem algum evento de repercussões de grande porte), temas de responsabilidade sobre produto (sua composição química, que tipo de informação precisa fornecer ao consumidor e para a cadeia de suprimento, a fim de garantir que o produto chegue ao seu destino como planejado), e transporte e distribuição.

“Essa cadeia pode ter relação com esse trabalho, principalmente porque, conseguindo definir onde é preciso melhorar, é possível dirigir melhor os recursos. Quando os recursos são limitados, é importante identificar exatamente onde vai usá-los para obter resultados mais expressivos”, conclui Rigoletto.

De acordo com o pesquisador, quando se consegue olhar para o produto a ser comercializado, para o seu processo do ponto de vista ambiental, de segurança e para sua interface com a comunidade, e identificar onde estão os maiores problemas, isso permitirá alocar assertivamente os recursos.

Ruídos no diálogo

O grande nó existente hoje no programa, opina Rigoletto, consiste em interagir com a comunidade de forma eficiente. É que o setor industrial, e de tintas também, tem dificuldade neste tipo de diálogo. “Primeiro por não conseguir entender ao certo o que é a comunidade e segundo por não saber exatamente como se comunicar de maneira mais efetiva.”

Rigoletto reconhece que, para quem passa na frente de uma indústria, ela é vista como uma enorme caixa preta. O que essas pessoas veem são caminhões chegando e saindo. Vez por outra, escutam uma sirene tocando e o carro de bombeiro chegando, e na maioria das vezes se trata de um treinamento. Para uma dona de casa que é vizinha de um fabricante de tinta, o que ela vê é uma mera movimentação. Ou seja, ela olha para aquilo e não consegue entender o que está ocorrendo lá dentro. Até sabe que isso faz parte da realidade, porém não percebe nada que vá além de uma caixa preta.

Ter uma conversa franca e aberta com todos os segmentos da sociedade é uma ação difícil de ser praticada pelo setor industrial. Rigoletto acredita que é mais fácil conversar com órgãos fiscalizadores em qualquer esfera e com o Poder Executivo. “Não sei se é um tabu, contudo implementar efetivamente o código de responsabilidade comunitária, que prevê uma interface e uma transparência maior com a comunidade, é mais difícil, mas os dados coletados mostram que este é o grande desafio na implementação de qualquer programa voluntário de gestão, inclusive o Coatings Care.”

O trabalho de Rigoletto contribui, portanto, para prevenir e reduzir riscos em um setor industrial e de produtos associados a este setor. “Fazer tinta requer consumo de recursos naturais, transporte de produtos perigosos, manipulação de compostos inflamáveis e reações químicas”, acentua. Estes são setores que envolvem investimento, movimentação de materiais e redução, equação e entendimento dos riscos, e sobre onde se deve alocar os recursos.

Uma outra intenção do programa foi retomar indicadores de desempenho. Isso exige voltar a medir consumo de energia por produto produzido, consumo de água por produto produzido, geração de resíduo perigoso por produto produzido e acidentes graves por número de funcionários, que são indicadores que permitem começar a medir se este programa está sendo eficiente.

Atualmente acontece a implementação de programas voluntários muito focados em processos. Todavia, programas de Coatings Care, que abrem um pouco este leque para poder atingir produtos, podem ser bastante promissores no futuro.

Por outro lado, o Brasil tem avançado na regulamentação de produtos como as tintas. Existe desde 2008 uma lei federal que proíbe o uso de materiais à base de chumbo em tintas para linha arquitetônica e tintas que terão algum contato infantil, por serem cancerígenos. Também existe hoje uma proposta em discussão na Abrafati, a qual deve gerar, em alguns anos, uma Resolução Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) sobre a quantidade de compostos orgânicos voláteis presentes em tintas.

É inegável que a sociedade consome produtos naturais e ‘não naturais’ com uma velocidade extremamente voraz. Isso não será mais sustentável por muito tempo. “Quem sabe seja mais fácil, como um paliativo, mexer ‘onde’ se consegue nos dias de hoje, sem perder de vista que será preciso estudar uma maneira de atacar o problema na raiz, que inclui mudar radicalmente os hábitos de consumo”, situa Rigoletto.

A Abrafati tem um departamento técnico que pode, eventualmente, trazer mais informações sobre o programa para empresas interessadas. A sede fica instalada em São Paulo. O e-mail para contato é tecnica@abrafati.com.br e o site é www.abrafati.com.br.



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Publicação
Tese de doutorado “Implantação no Brasil do programa ‘Coatings Care’ de prevenção de poluição e de acidentes do setor de tintas”

Autor: Ivan de Paula Rigoletto

Orientador: Waldir Antonio Bizzo

Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)
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