quarta-feira, 23 de maio de 2012

Pesquisadores suíços tentam descobrir toalete "do século"


Instalação sanitária à céu aberto em uma favela da África do Sul.                                                                     Instalação sanitária à céu aberto em uma favela da África do Sul. (Keystone)

Por Alexander Thoele, swissinfo.ch

Estima-se que 2,6 bilhões de pessoas no mundo não tenham acesso ao saneamento básico. Instalações sanitárias ajudam a combater doenças comuns como diarreia, cólera ou hepatite. Mas como solucionar o problema em países pobres, onde não há recursos para oferecer canalização, água ou energia?

A Fundação Bill e Melinda Gates criou um concurso para ajudar a encontrar uma solução ao desafio. Uma das ideias vem da Suíça.

Considerado o maior bairro de lata na África subsaariana, Kibera (em Nairóbi, capital do Quênia) é uma favela onde vivem cerca de um milhão de pessoas. "Banheiros voadores" (Flying toilet) é uma expressão típica empregada pelos seus habitantes. Na vida precária que levam, sem acesso a qualquer forma de saneamento básico, os habitantes costumam defecar e urinar em sacos plásticos e depois jogá-los por cima dos tetos dos barracos.

Essa realidade, também comum nas favelas brasileiras, "townships" da África do sul ou em grandes metrópoles da Índia, tem suas consequências para a saúde humana: segundo cálculos das Nações Unidas, a diarreia é responsável por 1,5 milhões de mortes por ano, especialmente crianças menores de cinco anos. Seria uma criança a cada vinte segundo.


Porém outras doenças são provocadas pela falta de higiene e acesso a toletes como cólera, disenteria, febre tifoide e hepatite A. Só no rio Ganges, na Índia, despeja-se 1,1 milhão de litros de esgoto por minuto, uma calamidade levando-se em conta que um grama de fezes pode conter 10 milhões de vírus, um milhão de bactérias, mil cistos de parasita e 100 ovos de verme, segundo o site do Instituto Trata Brasil.


Tolete do futuro 

Na primavera de 2011, a Fundação Bill e Melinda Gates decidiu atacar o problema e lançou um concurso científico aberto a pesquisadores de todas as partes do mundo. As condições eram duras: desenvolver um toalete "do futuro", que seja robusto, aplicável tanto no campo como nas cidades, fácil de limpar e que funcione sem água, canalização ou acesso à energia. Além disso, os excrementos humanos precisam ser facilmente eliminados ou reaproveitáveis e o custo de manutenção diário não pode ser maior do que 0,5 centavo de dólar por dia por pessoa.

Ao final, 21 universidades foram convidadas a participar e dessas, oito tiveram os projetos aprovados, das quais uma é o Instituto Federal Suíço de Ciência e Tecnologia Aquática (Eawag). "Com a aprovação, recebemos inicialmente 400 mil dólares, o que nos permitiu contratar três jovens pesquisadores para continuar o desenvolvimento das nossas ideias", afirma a coordenadora Tove Larsen. Essa engenheira química de origem dinamarquesa não vê a hora de poder apresentar um novo modelo de toalete pessoalmente a Bill Gates, o fundador da Microsoft, em 14 de agosto em Seattle, nos Estados Unidos.

O conceito desenvolvido pela Eawag é uma versão melhorada do chamado "sanitário seco com desvio de urina" (urine diverting dry toilet), ou seja, um toalete onde a urina é separada das fezes, mas a água é utilizada para limpeza.

A urina, composta de 95% de água e o restante de ureia, ácido úrico, sal e outras substâncias, é processada por um método criado pelos pesquisadores no instituto sediado em Dübendorf, vilarejo vizinho à Zurique, para extrair nitrogênio, fósforo e potássio em pó, utilizados posteriormente como adubo.

As fezes poderiam ter uma utilização variada. "Elas podem ser aproveitadas como biomassa ou mesmo também para a produção de adubos, após o tratamento adequado", completa Larsen.


Tove Larsen, pesquisadora da Eawag em Zurique.
Tove Larsen, pesquisadora da Eawag em Zurique. (swissinfo)

Testes na África 

Com os recursos da fundação de Gates, Larsen pretende desenvolver ainda mais o projeto. Além da água de limpeza, sua equipe de pesquisadores também quer melhorar a aceitação. "Por isso trabalhamos em conjunto com o designer Harald Gründl da EOOS para desenvolver esse novo tolete", revela a dinamarquesa, citando a empresa austríaca de design, conhecida por projetar lojas para marcas conhecidas como Giorgio Armani e Adidas, dentre outros.

Além disso, o novo sistema também deve poder reciclar a água utilizada no toalete através de membranas especiais como filtros. "Então ela volta novamente ao ciclo e permite as pessoas de lavar suas mãos ou de limpar o vaso."

Sem revelar mais detalhes do projeto, pois a surpresa deve ocorrer na apresentação nos EUA, Tove Larsen adiante que um dos objetivos é também permitir a viabilidade econômica do super-toalete para as populações que poderão utilizá-lo. "Com o custo de 0,5 centavos por dia por toalete, acreditamos que é possível criar um aproveitamento econômico pelas pequenas empresas que irão oferecer esses serviços. Elas poderiam não apenas cobrar para oferecer o saneamento, mas também pelos adubos vendidos ou produção de biogás."

Para a pesquisadora, importante é garantir a separação adequada dos excrementos. "Na China já se aplica há muito tempo a utilização de excrementos humanos para adubar a terra, mas sem nenhuma segurança, o que faz com que muitas pessoas por lá tenham vermes", lembra Larsen. No toalete desenvolvido pela Eawag, tanto a urina como as fezes são separadas e armazenadas em compartimentos dentro do "móvel". Cada unidade deve atender duas famílias, com dez pessoas. Os produtos de cem unidades são recolhidos duas vezes por semana e levados para os locais de processamento.

E com que energia essas unidades de processamento funcionariam? "Soluções como painéis solares ou mesmo o biogás produzido pelos excrementos seriam fontes de energia barata para manter o funcionamento das máquinas", responde a pesquisadora. A confiança com que explica o projeto mostra que ela e sua equipe são fortes candidatos a convencer Bill Gates em pouco mais de quatro meses. Porém ela se mantém realista frente aos desafios do projeto. "Nós estamos apenas ainda no começo de encontrar uma solução, mas acreditamos estar no caminho correto."


Alexander Thoele, swissinfo.ch