terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Idas e voltas de mulheres da Amazônia

por Glauce Monteiro / Dezembro 2011
foto Karol Khaled/UFPA-JORNAL BEIRA DO RIO

Pesquisa identifica Suriname e países europeus
como destinos mais frequentes


Pela primeira vez, o Censo da população brasileira, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), incluiu perguntas sobre a migração internacional, questionando não apenas os motivos de entrada e saída do País, mas também os destinos e o tempo de permanência. Quando as respostas forem divulgadas, saberemos mais sobre um fenômeno até o momento quase invisível na Amazônia: a migração internacional de mulheres.
Ainda hoje, não se sabe ao certo quem elas são, para onde vão e a importância do que elas fazem, mas o fenômeno da migração internacional de mulheres na Amazônia chama atenção pela sua dupla invisibilidade. Segundo Marcel Hazeu, aluno de doutorado do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) da Universidade Federal do Pará (UFPA), de um lado, as pesquisas nacionais sobre migração retratam a Amazônia de forma homogênea. Por outro lado, as pesquisas sobre migração na Amazônia ainda não estabelecem diferenciação entre a migração masculina e a feminina, e aquelas que incluem as mulheres, referem-se apenas ao tráfico internacional de pessoas.
Em sua dissertação de mestrado, orientada pela professora Marília Emmi, o pesquisador analisou a migração de mulheres em periferias de Belém. "As mulheres que migram não são todas vítimas de tráfico, nem saem especificamente para exercer a prostituição. A realidade dessas idas e vindas internacionais é mais complexa e envolve a mulher que migra, mas também toda a sua família e a sua comunidade. A migração é algo maior e presente no dia a dia dos bairros periféricos". A pesquisa observou trajetórias, destinos, causas e consequências desta migração para quem migra e para as famílias que permanecem nas periferias da cidade.

Perfil é de jovens que vivem momento de crise

Entre os anos de 2009 e 2011, Marcel Hazeu entrevistou 27 famílias com mulheres migrantes. Em cada uma, ele identificou uma "pioneira" e suas "seguidoras". "Nos anos seguintes, irmãs, sobrinhas, primas, cunhadas seguem essa primeira mulher. Na pesquisa, foram identificadas 54 mulheres migrantes e dois fluxos migratórios mais marcantes", revela. O primeiro dirige-se ao Suriname e a alguns países localizados ao norte da América do Sul. O segundo destina-se a países europeus.
O perfil dessas mulheres é parecido. "São jovens que estão passando por um momento marcante: divórcio, maternidade, desemprego ou estão repensando e reavaliando suas vidas. O destino não é exatamente 'escolhido'. Ele está relacionado mais ao contato ou à pessoa que permite ou motiva a migração do que às características do lugar. Muitas vezes, essas mulheres não sabem nada sobre o lugar para onde estão indo", diz o pesquisador.
A migração acontece sempre em redes. "Ou se conhece alguém que está lá, ou alguém que está indo. Esta é a única segurança e a garantia de entrada no país estrangeiro. Se, no aeroporto, a migrante tiver alguém esperando por ela, a migração fica mais fácil e tem mais chances de se consolidar. Mesmo o tráfico de pessoas e a migração ligada à prostituição acontecem em redes", explica Marcel Hazeu.
Das 27 pioneiras, 11 foram para o Suriname, local com maior atração, as outras 16 foram para países europeus. Mas o lugar em que as entrevistadas viviam antes de voltar para o Brasil nem sempre é o mesmo do destino inicial. Assim, embora, no início, 11 tenham migrado para o Suriname, apenas oito delas voltaram diretamente de lá. As demais seguiram para outros lugares. "Quando a segunda mulher migra, ela vai 'atrás' da primeira. A seguidora traça o mesmo trajeto ou parte deste trajeto, justamente pela segurança que as redes representam", compara Marcel Hazeu.

Europa: casamento é estratégia para permanecer

Segundo Marcel Hazeu, a permanência é uma das principais diferenciações entre as mulheres que migram para a América do Sul ou para a Europa, "a maioria das mulheres que vai para o Suriname volta. Já a maioria que vai para a Europa permanece. No Suriname, as atividades estão muito ligadas ao garimpo e são naturalmente temporárias". Entre as 11 pioneiras que foram para o Suriname, apenas uma continua no país. Enquanto das 16 que migraram para a Europa, apenas três retornaram para o Brasil.
As leis de migração também têm um papel decisivo. "No Suriname, aspectos como a relação mais próxima com o Brasil, a fluidez maior na fronteira, a não perseguição dos migrantes e a maior possibilidade de conseguir autorização de trabalho favorecem a migração, diferente do que ocorre na Europa", diz.
As rígidas leis de migração na Europa tornam o casamento uma das principais alternativas para permanência. O que está relacionado a uma questão de gênero e ao imaginário. Se muitas mulheres migram com a ideia de casar com europeus, também "é forte na Europa a ideia de que mulheres latinas são boas para casar", revela o pesquisador.
Entre as mulheres que conseguiram permanecer na Europa, todas casaram. "Algumas por amor, outras por conveniência. Alguns relacionamentos acabaram em divórcio, mas outros deram certo mesmo tendo se desenvolvido dentro desta lógica de casar para não voltar para o Brasil. E as redes também atuam para apresentar potenciais esposas e maridos". O pesquisador relata a situação de um casal que iniciou a relação porque ambos estavam sozinhos, mas asseguram que, nove anos depois, estão apaixonados, "eles dizem que o amor também se constrói".
As mulheres que migraram para o Suriname também começam a estabelecer relações mais duradouras naquele país, mas esses relacionamentos acontecem no interior da comunidade brasileira migrante, com pouca interação com surinameses.

Preconceito está sempre presente

Para o pesquisador um dos principais ganhos da migração é a visão crítica da realidade. "Nenhuma das mulheres tem uma imagem romântica do Suriname ou da Europa. Elas voltam e reavaliam sua realidade com uma visão mais crítica e este é um dos principais ganhos da migração: a releitura do mundo, do ser mulher e de sua própria vida". Um aspecto negativo é o preconceito, dentro e fora do Brasil.
"Elas são sempre as outras. Lá fora, são as migrantes, as estrangeiras. No Brasil, ao retornarem, carregam o estigma da prostituição, mesmo quando não foram prostitutas ou permaneceram pouco tempo na prostituição. Nenhuma diz abertamente ou com orgulho: eu fui para a Holanda, por exemplo. O casamento aparece como um sistema de proteção que as torna 'respeitáveis', é uma estratégia para se revalorizar na periferia, embora a acusação da prostituição permaneça de forma velada", avalia Marcel Hazeu.
O preconceito torna difícil a interação dessas mulheres. "Ao longo da pesquisa e do mapeamento das redes, umas indicavam outras, mas não interagiam entre si. Vi casos em que as duas pessoas se conheciam, mas nunca conversaram sobre o assunto", lembra o pesquisador.
Um dos conceitos investigados durante a pesquisa foi a reterritorialização. "Esse conceito está relacionado a questões como 'a que lugar eu pertenço'? E isso significa que uma pessoa pode possuir algum domínio sobre o lugar e que este significa algo para ela. Mas no sentido político, também se relaciona com a possibilidade de influenciar este espaço. A migração, nestes casos, é um processo sempre paralelo ao da marginalização", explica o pesquisador.
Por um lado, a migração envolve a desterritorialização: são pessoas que saem porque não sentem que fazem parte deste espaço. De outro, é um esforço para se reterritorializar, seja lá fora, fixando-se; seja ao retornar, na esperança de ser valorizada pelo acúmulo de dinheiro ou pela diferenciação em relação aos que não migraram.
"Por isso é valido incentivar a formação de uma imagem mais plural da mulher migrante, associando a imagem de 'trabalhadora' a essa mulher. É preciso reconhecer que a migração vai além da prostituição e do tráfico de pessoas e que é bem mais cotidiana e complexa do que sabemos até o momento", conclui.