sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Pesquisa sobre interface entre plantas e animais é central para conservar biodiversidade, diz pesquisador


Estudioso da associação entre artrópodes e plantas da família Compositae, Thomas Lewinsohn, da Unicamp, afirma que mudanças no Código Florestal tendem a dificultar conservação (Foto: Eduardo Cesar)

Por Fábio de Castro/Agência FAPESP
Estudar a interface entre plantas e animais é fundamental para compreender e conservar a biodiversidade da Terra, já que o sistema formado pelas espécies vegetais e os animais que delas se alimentam – em especial artrópodes – corresponde a mais da metade de diversidade biológica existente. Mas, enquanto as pesquisas nessa área são trabalhosas e avançam lentamente, o ritmo de degradação ambiental e a perda de biodiversidade tende a se acelerar.
A análise foi feita pelo professor Thomas Lewinsohn, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) durante o último dia do South American Compositae Meeting. A reunião internacional encerrada na última quarta-feira (7//12) teve como objetivo apresentar os mais recentes desenvolvimentos na sistemática, biogeografia, evolução e conservação de Compositae na América do Sul.

Compositae é a maior família de plantas existente, também conhecida com Asteraceae. Suas quase 30 mil espécies, espalhadas em todos os continentes, nos mais variados biomas, têm um papel importante em inúmeros ecossistemas e alto interesse econômico. A família compreende espécies de plantas conhecidas como o girassol, a alface, a margarida e o crisântemo e se caracteriza por possuir inflorescências em capítulos – um conjunto de flores reunidas em um receptáculo comum.
De acordo com Lewinsohn – que estuda desde a década de 1980 a interface entre Compositae e insetos endófagos que se desenvolvem no interior dos capítulos – a revisão do Código Florestal brasileiro, aprovada no Senado na última terça-feira (6/12), poderá contribuir para a perda de biodiversidade, atingindo particularmente o sistema que envolve essa família de plantas. A revisão do código vem sendo criticada pela comunidade científica paulista, que já a classificou como o mais grave retrocesso ambiental em meio século .
“Determinadas áreas deverão ser mais sacrificadas por essas mudanças no Código Florestal. Áreas consideradas muito vulneráveis, que são protegidas pela versão ainda existente do código, que está sendo modificada, incluíam topos de morros, áreas em cotas acima de 600 metros, áreas com grande declividade, áreas inundáveis, dunas, restingas e áreas costeiras. As Compositae estão presentes exatamente nesses locais”, disse Lewinsohn à Agência FAPESP.
A legislação continuará protegendo essas áreas, segundo Lewinsohn, mas abrirá exceção para situações consolidadas. “Situação consolidada é o novo eufemismo para situação ilegal. Uma das coisas que o novo código está fazendo é legalizar ocupações urbanas e ocupações de culturas em áreas de grande risco e áreas vulneráveis. São situações ilegais que se tornaram um fato consumado. Em vez de resolver o problema, legaliza-se o incorreto. A sinalização que foi dada é: continue infringindo a lei e aguarde a próxima anistia”, afirmou.
Os estudos sobre a interface entre plantas e animais, segundo Lewinsohn, ajudam a entender a importância da conservação da biodiversidade. Por essa interface, segundo ele, passam diversos processos são importantes para a manutenção dos ecossistemas e que acabam afetando diretamente a qualidade de vida humana e a capacidade de obter recursos naturais de interesse.
“Como consumidores de plantas, somos concorrentes diretos dos herbívoros. É preciso conhecer a concorrência e entendê-la, porque muitas vezes perdemos as lutas. O consumo de plantas por animais herbívoros é um dos principais problemas que existem permanentemente na agricultura”, disse.
A inserção de produções de interesse humano nos sistemas naturais deve ser feita com base científica, segundo Lewinsohn, pois esses sistemas frequentemente fornecem o que hoje se chama de serviços ecológicos, como, por exemplo, parasitos que ajudam a controlar pragas, ou animais polinizadores.
“Além do valor econômico das espécies de Compositae, elas são plantas importantíssima para a alimentação de abelhas de mel. A produção de mel e de própolis é fortemente dependente da diversidade de plantas dessa família. As abelhas, por outro lado, são polinizadoras. Se perdermos um elo dessa cadeia, vamos afetá-la inteiramente. Muitas vezes só descobrimos esses efeitos da pior maneira possível, quando o sistema foi destruído e nos damos conta dessas consequências indiretas em cascata”, explicou.
Em seus estudos, Lewinsohn tem produzido listas de espécies de insetos associados a determinadas espécies de Compositae. Os dados obtidos entre 1995 e 2005 em quatro regiões – Serra Gaúcha, Cerrados de São Paulo, Serra da Mantiqueira e Serra do Espinhaço – incluem amostras de 535 espécies de plantas e mais de 3 mil amostras de artrópodes. A análise permitiu montar uma lista de espécies relacionadas entre si, desvendando a dinâmica das interações. A lista, no entanto, está longe de ser exaustiva.
“Começamos por um trabalho de prospecção das espécies existentes no campo e depois passamos para a coleta do material e armazenamos os capítulos. É um trabalho extenso e levamos 10 anos para conseguir uma primeira lista de espécies. Trata-se de um quebra-cabeça gigantesco”, afirmou.
A partir desse tipo de levantamento, os cientistas podem tentar responder inúmeras perguntas científicas, segundo Lewinsohn: por que algumas espécies são mais associadas entre si? Qual a congruência entre o conjunto de hospedeiros dos mesmos insetos? Por que certas plantas suportam comunidades mais diversificadas que outras? Que características evolutivas estão associadas a essas condições? A grande separação entre elas seria a relação entre a presença no espaço e a filogenética comum?
“Nosso objetivo é acoplar a filogenia de animais às filogenias de plantas. No entanto, existem alguns gargalos para esse tipo de estudo. As dificuldades técnicas, ligadas principalmente à análise de DNA, estão sendo superadas em uma velocidade espantosa. Mas o principal obstáculo consiste em obter informação eficiente de campo. Trata-se de uma informação simples: quais são as espécies e onde elas estão. Algo que sabemos como fazer, mas que requer um volume impressionante de trabalho e, por isso, grande quantidade de pessoas”, afirmou.