quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

HAFENCITY

A HafenCity Hamburgo, o maior projeto de desenvolvimento urbano na Europa, cria uma estrutura urbana viva. Ela é um modelo de projeto para que se more e trabalhe ecologicamente
Till Briegleb

O pátio escolar da Katharinenschule, em Hamburgo, é talvez um dos mais estranhos do mundo. Rodeadas por torres vítreas de escritórios e guindastes de construção, as crianças brincam num colorido viveiro de pássaros, no teto do prédio. As redes de proteção, acima da claraboia, estão cheias de frisbees e bolas. A armação inclinada também está revestida de redes. Mas os alegres e barulhentos alunos do primário não dão a impressão de estar numa gaiola. Eles talvez nem notem a bela vista e o seu lugar especial no teto da escola.

Quem nota isto são os turistas que diariamente afluem à HafenCity Hamburgo para observar os rápidos progressos desse novo bairro que terá 12 mil habitantes e 40 mil funcionários.

 Os tu­ristas tomam o elevador, indo para o 5º andar dessa escola bem projetada, para tirar fotos. Muitos conflitos, que surgem na formação completa de um novo bairro, podem ser vistos nesse prédio. O fato de o pátio da escola ficar no teto não foi nenhuma idéia excêntrica dos arquitetos, mas o resultado dos preços de terrenos nessa localização cobiçada, na segunda maior cidade da Alemanha. A dificuldade de encontrar um lugar de recreio para crianças entre canteiros de obras, muros portuários abruptos e a multidão de curiosos é a prova da falta de harmonia entre diferentes modelos de vida num espaço apertado.

 E ainda há a dúvida, se a escola, nesse bairro projetado, vai conseguir o número suficiente de alunos, o que também comprova as muitas imponderabilidades de um projeto gigantesco, conside­rado o maior planejamento de desenvolvimento urbano da Europa. Ao contrário dos bairros que cresceram naturalmente, aprendendo a funcionar durante a transição, é necessário que se façam profecias para os 150 hectares de terreno baldio da antiga região portuária da cidade, adivinhando as necessidades e as preferências dos fu­turos habitantes, assim como o limite máximo para os investidores, aos quais a com­panhia municipal de desenvolvimento urbano impõe custos sociais e ecológicos adicionais, para que o bairro não seja dominado apenas por interesses comerciais.



Mas tem-se, sobretudo, de calcular razoavelmente a relação entre área habitacional e área de trabalho. Escritórios em demasia afugentam futuros inquilinos que não querem viver entre montanhas de vidro e aço. Mas um número demasiado de habitações contradiz o cálculo de custos da cidade, que poderia ter renda muito maior através de áreas comerciais. Construir apenas apartamentos de luxo também não é nenhuma solução, pois um bairro hostil a famílias e sem crianças cria uma atmosfera estéril e desagradável.
A HafenCity, projeto para um lindo ambiente de vida e trabalho, está surgindo às margens do Elba já há cerca de dez anos, pretendendo fazer tudo melhor do que outros bairros portuários semelhantes. O objetivo é construir um bairro que possua imediatamente todas as qualidades de um centro urbano histórico. Parques, bares, alamedas, confeitarias, museus, centros comerciais, lugares aconchegantes e outros animados, ou seja, uma metrópole em pequeno formato.



Cerca de 30 obras arquitetônicas de vulto já estão prontas; outras dez, quase prontas. E ainda há os canteiros de obras nos pontos geográficos leste e oeste para as primeiras construções, ou seja, para os prédios da revista “Der Spiegel” e da nova Elbphilharmonie, von Herzog & de Meuron, uma mescla de sala de concertos, hotel e apartamentos, revestida de ondas e pingentes de vidro.

Este primeiro terço da área de quase três quilômetros de extensão já dá uma impressão concreta de como a HafenCity vai ser um dia, quando estiver pronta. Através da união entre uma densa arquitetura e áreas fluviais abertas con­segue-se criar uma estrutura ao mesmo tempo urbana e viva. Lojas finas oferecem chás e moda de regata aos visitantes de bom gosto. Mas há também um abastecimento básico através de padarias e bares. O barulho das construções, junto com o reboliço dos quarteirões já aca­bados, atrai ainda mais curiosos. Mas os hamburgueses também gostam de passear ao longo das novas alamedas, pois a imagem da HafenCity muda permanentemente, graças à rapidez dos trabalhos de construção.

Ao lado da pura magnitude do projeto, são os nomes de grandes arquitetos, que fazem crescer enormemente o interesse dos visitantes e dos investidores que, apesar da crise financeira, não se cansam de comprar terrenos. Richard Meier e David Chipperfield projetaram aqui prédios de escritórios, Rem Koolhaas está planejando um museu técnico em forma cir­cular, Zaha Hadid construirá uma nova ligação entre a alameda e o bairro histórico. Mas lá também estão grandes astros da ar­quitetura alemã, como Hadi Teherani, Christoph Ingenhoven e Stefan Behnisch. Tal concentração de artistas da arquitetura deixaria supor uma coleção de esculturas ar­quitetônicas irrefletidas.

Ao contrário, a aparência da HafenCity é antes sóbria, sem ornamentos. A fixação inflexível de objetivos – por exemplo, o emprego de tijolos, como nos prédios históricos da vizinha Speicherstadt – já impediu, de antemão, os excessos de imaginação criativa. Fora a área claramente definida como terrenos extra-arquitetônicos, nos quais os grandes ar­quitetos podem mostrar tudo o que a arte arquitetônica tem hoje a oferecer, o que domina é uma sequência monótona.

 Se­gundo a filosofia das autoridades hamburguesas de planejamento, de proceder nesse pro­jeto com o máximo de sensatez e controle, sua posição levou, em outro setor, a altos padrões. Isto é: no seu empenho em conseguir um “papel de pioneiro como modelo para uma cidade inócua ao meio ambiente”, a consciência de planejamento hamburguesa não apenas aprova uma estrutura densa e pluralística para o bairro, que deve reduzir o trânsito, mas elabora assim um sistema de certificado diferenciado, que obriga os investidores a reduzir ao máximo a emissão de CO2 dos seus imóveis. Enquanto a emissão para a produção de eletricidade na Alemanha é de 600 gramas de CO2 por KW/hora, o valor atual para um prêmio ambiental de ouro na Hafen­City é de 89 gramas. Quanto ao abastecimento térmico, aposta-se em fontes reno­váveis e de baixa emissão, como a calefação urbana centralizada e a energia solar.



Para promover uma competição volun­tária entre os investidores pelas tecnologias ambientais inovadoras, os terrenos não são vendidos segundo a oferta mais alta, mas segundo a força convincente das concepções que, ao lado de aspectos sociais, econômicos e de engenharia urbana, também têm de apostar muito na ecologia. Finalmente, também faz parte da intransigente objetividade – pela qual os hanseáticos são conhecidos – a reação objetiva frente a transformações. Dado que a demanda por habitações está crescendo, mas as enormes áreas comerciais na HafenCity, o novo centro do bairro de além-mar, só puderam ser preenchidas com a mudança de repartições públicas para lá, está agora se apostando em construções habitacionais em direção ao leste. E isto a preços moderados. Assim, as crianças desse bairro talvez não necessitem mais de um lugar de recreio seguro no teto da escola. Como um grupo forte, elas poderão conquistar o novo bairro e fazer com que este se despeça do conceito de “projeto imobiliário” e assuma o título “lar”.