Um estudo desenvolvido no Museu Goeldi, com foco na comunidade de Vila da Penha (município de Maracanã, microrregião do Salgado, nordeste do Pará), concluiu que a mandioca é a espécie que ocupa a maior área de cultivo da região.
A pesquisa se concentrou nos roçados, unidades onde se desenvolvem atividades de agricultura e se constituem em sistemas de subsistências e de produção. Agricultores estabelecem seus roçados em áreas de vegetação secundária numa atividade primordialmente familiar, mas que também pode contar com mão-de-obra contratada como diarista.
O objetivo da pesquisa foi identificar as plantas cultivadas e os modos (técnicas) de cultivo nos roçados da região do nordeste paraense para fazer a posterior comparação com as demais regiões do estado. Desenvolvida por Denize de Oliveira Rosário, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) do Mpeg, sob orientação do pesquisador Jorge Oliveira, é intitulada “Levantamento das espécies vegetais cultivadas em roçados na comunidade de Vila da Penha – Maracanã/PA”.
“A mandioca é a espécie mais importante cultivada nos roçados (de Vila da Penha) e tem papel preponderante na socioeconomia local, por meio da venda dos diversos produtos derivados”, lembra Denize. A goma, o tucupi, a farinha e o beiju são alguns desses produtos que puderam ser observados na Vila, assim como em outras localidades. “Em Caxiuanã, no município de Melgaço (onde o Museu mantém a Estação Científica Ferreira Penna), por exemplo, as espécies verificadas foram quase as mesmas. Então, pode-se ver que a nossa região tem quase a mesma base de cultivo: mandioca (Manihot esculenta Kantz.- Euphorbiaceae), macaxeira (Manihot aypim Kantz. – Euphorbiaceae) e milho (Zea mays L. – Poaceae)”, diz Jorge. Veja os termos no Glossário abaixo.
O comércio e sustento
O excedente da produção desses produtos é comercializado na comunidade e vizinhanças. O comércio é pequeno, sendo incrementado em feriados prolongados quando turistas chegam à comunidade, que se localiza próxima à Praia de Marieta, no município de Salinópolis. A rotina dos agricultores não sofre grande alteração em virtude do aumento da população: “Eles mantêm a produção normal, sendo que o excedente que é comercializado na própria comunidade já tem o comprador confirmado nesses períodos”, conta o orientador.
Para o estudo, foram entrevistados agricultores donos de seus próprios roçados. Com área que varia de 250 a 2000 m2, o tamanho do roçado depende do número de pessoas da família e da situação financeira das mesmas. Os roçados podem garantir o sustento de famílias inteiras, e de acordo com Jorge, quem trabalha no roçado são, normalmente, os pais e os filhos mais novos. Os filhos mais velhos, com frequência, já não moram mais em casa, pois vão estudar nas cidades próximas, e até em Belém.
Mandioca, arroz e feijão
A comunidade de Vila da Penha, na Reserva Extrativista de Maracanã, guarda peculiaridades em relação a outras do seu gênero. É comum que com a chegada de tecnologias, os instrumentos tradicionais tanto de cultivo quanto de processamento sejam deixados de lado. É assim em diversas outras localidades do Pará, onde já se notam mudanças no cultivo, na utilização de implementos agrícolas e nos processos de produção. “As casas de farinha, por exemplo, estão sendo transferidas para os terreiros (quintais) das residências. Já no caso dos implementos agrícolas, nota-se uma gradativa substituição do tipiti (instrumento para extração do sumo da mandioca, o tucupi) pela prensa de madeira, e do ralador pela tarisca movida à tração humana ou a motores elétricos ou a gasolina”, explica Denize. Mas em Vila da Penha, ainda é possível observar o uso da tarisca movida à tração humana e do tipiti, assim como ainda existem as casas de farinha afastadas das moradias. Confira também o Glossário.
Alguns agricultores cultivam o arroz (Oriza sativa L. var. subulata - Poaceae) juntamente com a mandioca, enquanto o feijão (Phaseolus vulgaris L. – Fabaceae), plantado no verão, ganha área diferenciada no roçado, pois precisa de adubação especial. “O feijão não é muito cultivado, o que pode ocorrer por não ser apreciado pela população, que tem facilidade em comprar o “feijão do sul” nos mercados próximos. Então, as pessoas não vêem necessidade de cultivar o que pode ser comprado”, comenta Jorge Oliveira.
Subsistência e preservação
“É necessário saber e entender as informações sobre a alimentação na comunidade, porque, sendo a localidade uma área de reserva extrativista (resex), o sustento dos seus integrantes deve vir do extrativismo e, complementarmente, da agricultura de subsistência. É preciso saber o que existe no local, para, então, saber como utilizar isso de forma sustentável”, argumenta Jorge, ao lembrar que os objetivos básicos de uma resex são proteger os meios de vida e a cultura das populações que nela residem e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. Daí o objetivo da pesquisa de identificar as espécies cultivadas e as formas de cultivo na comunidade.
Além disso, segundo o pesquisador, são poucos os dados sobre as espécies cultivadas nos roçados e os modos de processamento dos produtos na região, o que foi comprovado com a pequena bibliografia encontrada para a pesquisa.
Para a utilização futura, as espécies identificadas durante a pesquisa, que foram coletadas em novembro de 2008, foram submetidas ao processo usual de herborização - prensagem, secagem e preparação de exemplar botânico -, e depositados no Herbário do Museu Emílio Goeldi.
Pequeno glossário da Mandioca
Vila da Penha - Uma comunidade amazônica - A Vila da Penha está situada no município de Maracanã, no estado do Pará, e está inserida na Reserva Extrativista de Maracanã. A Resex possui mais de 19 mil hectares e abriga áreas como restinga, mata secundária (capoeira), várzea, igapó e manguezal, além de diversas espécies de animais. O acesso à comunidade é efetuado através de transporte terrestre e fluvial, e suas principais atividades econômicas são a agricultura familiar e a pesca artesanal. O sistema educacional é municipal, sendo constituído por uma escola de curso fundamental e médio e uma pré-escola. A Vila é servida por um posto médico, serviço de abastecimento de água domiciliar, mas não possui coleta de lixo ou rede de esgotos, assim como as ruas não possuem calçamento e nem asfalto.
Casa de Farinha – Local onde se processa a mandioca, e consiste em uma barraca coberta na sua maioria com palha de “inajá” (Maximiliana maripa (Corr. Serr.) Drude - Arecaceae), de chão batido, sem paredes, onde estão o forno e os demais utensílios necessários para o processamento da mandioca. Normalmente, localiza-se próximo aos roçados e cursos d'agua, porém, hoje, pode estar localizada às proximidades das residências pela facilidade para se utilizar energia elétrica.
Forno – Um enorme tacho de latão, de formato retangular ou redondo, onde é torrada a mandioca para fazer os diversos tipos de farinha.
Farinha – É um dos principais produtos da mandioca, de uso muito difundido em todo o país e parte da dieta alimentar de muitos brasileiros. É alimento rico em carboidratos e fibras. Pode ser d'água, misturada, seca ou carimã, de coloração amarela ou branca; de acordo com o tamanho do grão, fina (para farofa), média ou grossa (para consumo direto na comida).
Tarisca ou Catitu – Uma peça em madeira de forma cilíndrica ornada com serrilhas de aço no sentido longitudinal, utilizado para ralar (cevar) a mandioca.
Beiju ou Biju – Alimento originalmente produzido por indígenas, é um subproduto do processamento da mandioca. Feito da mandioca ralada – sua parte mais fina é torrada e consumida como acompanhamento.
Tipiti – Objeto de forma cilíndrica, alongada, confeccionado com talas de guarumã (Ischnosiphon arouma (Aubl.) Koern. – Marantaceae) ou jacitara (Desmoncus orthacanthus Mart. - Arecaceae) entrelaçadas, dotado de elasticidade, usado para espremer a massa da mandioca, para a retirada do tucupi.
Tucupi – Sumo extraído da mandioca, de coloração amarelo intenso, é obtido da massa da mandioca que foi descascada, ralada e espremida (tradicionalmente usando-se um tipiti – confira verbete). Depois de extraído, o sumo "descansa" para que a goma (amido) se separe do líquido (tucupi), processo esse conhecido como decantação. Inicialmente venenoso devido à presença do ácido cianídrico, o líquido é fervido para garantir que à alta temperatura o veneno seja eliminado. Só então é usado nas famosas iguarias paraenses como o tacacá, o pato no tucupi e o molho de pimenta.
Goma – É o amido fino e branco, resultado da decantação do tucupi, após a mandioca ralada e exprimida. Com a goma são produzidos a tapioquinha, iguaria feita em pequena frigideira aquecida que se transforma em um tipo de panqueca em cuja superfície se passa manteiga ou é recheada com côco, queijo e doces diversos, como feito na culinária urbana da atualidade. Outras iguarias são o tacacá (mistura de tucupi, jambú e camarões secos) e a farinha de tapioca, constituída por grãos brancos, crocantes que se prestam à preparação de bolos, pudins, doces e salgados os mais diversos, bem como pode ser consumida como um cereal no café e no leite.
Fonte: Assessoria de Comunicação/Agência do Museu Goeldi