A crise financeira ameaça baixar os níveis de educação em todo o mundo, afirma um relatório da Unesco. Enquanto países empobrecidos tentam equilibrar seus orçamentos diante de economias minguantes, qualquer esperança de alcançar as Metas do Milêmio para a educação pode ser frustrada.
A meta fundamental é que todas as crianças do mundo tenham educação primária até 2015, diz Kevin Watkins, coordenador do ‘Educação para Todos - Relatório Global de Monitoramento 2010’, apresentado nesta terça-feira.
Durante a primeira década do milênio, houve um real progresso e esta era a única das Metas do Milênio com chance de ser realizada no prazo previsto. Mas os abalos causados pela crise financeira nos países ricos repercutiram nos países em desenvolvimento e agora põem este progresso em risco.
Cerca de 71 milhões de crianças em todo o mundo não estão hoje na escola, de acordo com o relatório. Em uma economia cada vez mais baseada em conhecimento, isso significa uma desvantagem significativa para futuras oportunidades de trabalho. E enquanto governos na África subsaariana, por exemplo, chegam a termos com o declínio das receitas devido à recessão, Kevin Watkins diz que o investimento por aluno nas escolas primárias pode diminuir 10%.
”Quando você tem em mente que estamos falando de um contexto no qual as crianças estão sentadas em salas de aula sem livros, sem quadro-negro, sem carteiras, sem lápis, as consequências são realmente muito sérias. E o ponto que defendemos neste relatório é que estas crianças não criaram esta crise, e não deveriam ter que pagar por ela com sua única chance de educação.”
Nada de tão complicado
Watkins cita o progresso feito em um país como a Tanzânia, que pôs três milhões de crianças a mais na escola desde 2001. Bangladesh eliminou a disparidade de gênero na educação, enquanto a Índia diminuiu o número de crianças fora da escola em 15 milhões dois anos atrás. Todos estes sucessos demonstram que não é a falta de políticas efetivas que limita o avanço da educação, mas a falta de recursos econômicos.
“O que o governo da Índia demonstrou é que se você aumenta os investimentos nas áreas em que eles são mais necessários – constrói escolas, treina professores, equipa as escolas -, você pode ter grandes resultados em pouco tempo. Nada disso é tão complicado, mas infelizmente é uma negligência sistemática das políticas que sabemos que podem funcionar que nos deixaram onde estamos hoje."
Paradoxo na América Latina
Nos últimos anos, também houve um “progresso extraordinário” na América Latina, diz Watkins, citando Brasil, México e Bolívia como exemplos onde incentivos em dinheiro levaram muitas famílias pobres a manter suas crianças na escola. Mas há um paradoxo na América Latina, ele diz, uma vez que os níveis de educação também refletem enormes desigualdades regionais e sociais.
“Se você olha uma país como o México, há uma grande lacuna entre as regiões de melhor desempenho no país, no Norte e na Cidade do México – onde, em média, as crianças têm de 8 a 9 anos de educação – e no cinturão de pobreza do Sul, em estados como Oaxaca e Chiapas, onde 40% das meninas de famílias rurais mais pobres têm menos de 4 anos de escolaridade.”
Países latino-americanos têm que focar especificamente em regiões empobrecidas mais rapidamente do que está acontecendo hoje, diz Watkins.
Déficit financeiro
Enquanto, apesar da crise, alguns países ricos aumentaram seus compromissos de ajuda, outros estão cortando duas doações. Mas mesmo que o total da ajuda internacional aumentasse, ainda não cobriria os efeitos da crise para os governos mais pobres, comenta Watkins.
“Estamos pedindo aos países ricos e instituições financeiras internacionais que aumentem a escala de financiamento e doações, de forma que governos na África subsaariana não tenham que optar entre estabilidade financeira por um lado, e educação das crianças por outro.”
A ONU estima que as perdas para a África subsaariana serão superiores a 40 bilhões de dólares no próximo ano fiscal. E se seguirmos no atual ritmo, 50 milhões de crianças ainda estarão fora da escola dentro de cinco anos, um cenário que Kevin Watkins define como uma “crise de desenvolvimento humano em grande escala”.