quarta-feira, 23 de junho de 2010

AVATAR II A LUTA CONTRA USINA

Rodolfo Salm

por Rodolfo Salm*
Jornal da Universidade Federal do Pará
 foto Karol Khaled


James Cameron, diretor de Titanic e da badalada aventura ecológico-espacial Avatar, esteve em Altamira, no final de março, para conhecer a região onde se pretende construir a Hidrelétrica de Belo Monte. Dias antes, o cineasta havia "implorado" ao presidente Lula que reconsiderasse a decisão da construção da monumental obra no Xingu.  Ele dirigiu-se de barco à Terra Indígena Arara, da Volta Grande do Xingu. Lá, reuniu-se com índios de várias etnias e, mais tarde, encontrou-se conosco, os não-índios que também lutam contra a concretização deste projeto desastroso.

Para municiá-lo com informações importantes para esta luta, falamos de nossas preocupações. Eu fiz questão de lembrar a extrema fragilidade ecológica da floresta da bacia do rio Xingu, fragilidade esta que faz com que, nos longos períodos muito secos, a floresta queime com facilidade. Assim, as grandes ondas migratórias que acompanhariam a construção da barragem levariam, em poucos anos, à destruição da metade de toda a floresta amazônica. E que isso tudo faz da campanha contra Belo Monte a mais importante empreitada ecológica da atualidade.

A reação às declarações de Cameron foi imediata. O jornalista Sérgio Motta publicou, em seu blog no Monitor Mercantil, já dia 29, um artigo que começa assim: "Os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU lideram na produção e exportação de armas e controlam 95% do arsenal nuclear da Terra. Os Estados Unidos foram o único país do mundo a jogar bombas atômicas em seres humanos. A China ocupou o Tibet, mas o premiado diretor de Exterminador do Futuro, Titanic e Avatar, James Cameron, vem ao Brasil dizer que não deve ser construída a Hidrelétrica de Belo Monte". Curiosa (e, por que não, apropriada) é a comparação da construção da Hidrelétrica de Belo Monte com algumas das maiores tragédias da humanidade, em sua lamentável defesa de que também poderíamos cometê-las. 

Para o jornalista, Cameron, ao somar-se aos que protestam contra o Projeto Belo Monte, "adverte o Brasil para não crescer, ou então para crescer com base em óleo e carvão". Como se a energia de Belo Monte, que tem como objetivo final principalmente a mineração nesta região (e a consequente destruição da Amazônia), fosse nos trazer desenvolvimento econômico. Não traria. Essa energia seria usada, como na história de Avatar, para atender a interesses alienígenas, voltados à exploração da bauxita, o nosso "unobtainium" (fictício minério valiosíssimo do filme), por grandes mineradoras multinacionais que estão instalando-se rapidamente em toda a região amazônica.

James Cameron comparou a luta dos Kayapó que se opõem à usina à dos Na'vi, povo criado por ele no filme e que vive na floresta de Pandora. Antes da vinda do diretor ao Brasil, Marina Silva já fizera a mesma comparação: "Quem pensa que a história relatada no filme Avatar só pode ocorrer em outro planeta, engana-se: Pandora também pode ser aqui", em referência à Belo Monte.

Sou mais pessimista que James Cameron quanto à tecnologia e ao futuro da humanidade. Em 2154, não acredito que estaremos chegando a galáxias distantes em naves espaciais colossais para roubar energia de planetas ainda virgens. Estaremos, na verdade, aqui, definhando. Seremos uma espécie ameaçada de extinção pelo longo processo de degradação ambiental e por termos exaurido e contaminado nossas principais fontes de vida e energia. Algumas analogias presentes no filme são perfeitamente didáticas. A minha preferida é a observação da Dra. Grace Augustine, a botânica interpretada pela atriz Sigourney Weaver, em relação ao Unobtainium: "a riqueza deste mundo não está no solo, está em toda a nossa volta, os Na'vi sabem e estão lutando para defender isso".

O desfecho desta história real é difícil de antecipar. Apesar do leilão ocorrido dia 20 de abril, não há nada definitivo sobre Belo Monte. Nós não temos aqui, na Terra, aqueles seres gigantes alados, convocados em Pandora para auxiliar os Na'vi na sua luta final contra os terráqueos alienígenas. Mas não faltam guerreiros dispostos a matar e a morrer pela vida do rio, que também é sagrado para os que vivemos aqui.
 
*Rodolfo Saml é PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, professor adjunto da Faculdade de Biologia da UFPA, Campus de Altamira.