imagem- Instituto Butantã
Todos os anos, cerca de 2,5 milhões de pessoas são picadas por cobras no mundo, das quais de 85 mil morrem (4,4 vezes mais do que as 19 mil mortes causadas pela dengue) e 250 mil ficam com sequelas.
Por causa disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu, no ano passado, os acidentes com serpente na lista de Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN), da qual fazem parte outras 14 enfermidades.
A medida é um avanço, mas deveria ter sido adotada antes, na opinião da pesquisadora Denise Tambourgi, do Instituto Butantan, que apresentou, hoje (27/07), a conferência Acidentes por animais peçonhentos: doença negligenciada afetando países em desenvolvimento, durante a 62ª Reunião Anual da SBPC – evento que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência realiza até 30 de julho no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal (RN).
Para a especialista, essa demora é uma questão para reflexão. "Por que os acidentes com serpentes, uma enfermidade que causa enorme sofrimento e mata centenas de milhares de homens, mulheres, crianças, a cada ano, não foi incluída há mais tempo na agenda global de saúde?", indagou. "Nenhuma outra doença de importância similar é tão intimamente associada a condições de pobreza em ambientes rurais e ao trabalho na agricultura".
Tanto que, segundo Tambourgi, a OMS não foi a primeira a se preocupar com o problema. "Em novembro de 2008, em Melbourne, na Austrália, foi criado um projeto denominado 'Iniciativa Global para Acidentes com Serpentes'", contou. Prontamente endossado pela Sociedade Internacional de Toxicologia, o projeto congrega um grupo de trabalho interdisciplinar que pretende desenvolver soluções viáveis para os problemas associados aos envenenamentos com serpentes.
Para atingir esses objetivos, os idealizadores da Iniciativa estabeleceram dez metas, entre elas as de obter informações confiáveis sobre a incidência e mortalidade atribuíveis aos acidentes com serpentes e sobre o número de pessoas com sequelas permanentes; de melhorar a produção de antivenenos; de aumentar a capacidade dos países de baixa renda em produzir os soros específicos contra venenos de serpentes; e realizar o controle de qualidade desses produtos localmente.
Para dar uma ideia da importância da inclusão das picadas de cobra na lista das DTN e das metas da "Iniciativa Global para Acidentes com Serpentes", Denise citou o fato de nenhum país da África, onde ocorre um milhão de acidentes com serpentes e 20 mil mortes por ano, produz soro antiofídico. "Lá, um frasco de antiveneno importado custa cerca de 100 dólares", disse. "Como pode ser necessário o uso de quatro a 12 ampolas para tratar pessoa picada de cobra, dá para perceber que esse tipo de tratamento não é acessível à maioria das pessoas dos países pobres".
Por isso, Denise diz que a produção, distribuição e acesso garantido aos antivenenos são condições fundamentais para que seja alcançada uma das "Metas de Desenvolvimento do Milênio", estabelecida pela Organização das Nações Unidas: a erradicação de doenças negligenciadas como as mortes e danos causados por envenenamentos por serpentes.
A pesquisadora do Butantan também abordou a situação no Brasil, ampliando um pouco a questão para incluir outros animais peçonhentos. Segundo Denise, desde 2006 as picadas e mordidas de bichos venenosos passaram a ser de notificação obrigatória, como a Aids. Os dados disponíveis, no entanto, só vão até 2008, quando foram registrados no País 101.020 acidentes por animais peçonhentos em geral, dos quais cerca de 27 mil por cobras.
Mas, segundo Denise, em comparação com outros países em desenvolvimento, o Brasil está bem preparado para lidar com esses casos. Há quatro instituições que produzem antiveneno. São oito tipos de soros, que incluem os para cobras, aranhas, escorpiões e lagartas.