Produto é um dos mais utilizados na proteção da cultura de cana-de-açúcar
Testes químico/eletroquímicos realizados na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp mostram que é possível degradar em 80% o herbicida ametrina, um dos produtos mais utilizados para proteger a lavoura de cana-de-açúcar. Pelo método convencional, os pesquisadores levariam cem dias para degradar 50% do produto, mas a eletrossíntese –síntese de compostos químicos em uma célula eletroquímica – de peróxido de higrogênio (água oxigenada) permitiu chegar a 90% de degradação em doses elevadas, de acordo com o pesquisador André Augusto Gutierrez Fernandes Beati, autor da tese de doutorado "Identificação de subprodutos de degradação do herbicida triazínico ametrina via processos químico/eletroquímico". Durante as pesquisas da tese, orientada pelo professor Marcos Roberto de Vasconcelos Lanza (IQSC/USP) e coorientada pelo professor Rodnei Bertazzoli, do Departamento de Materiais da FEM/Unicamp, os pesquisadores conseguiram também identificar 16 subprodutos da degradação de ametrina.
O pesquisador ressalta que a não-degradação total da ametrina pode deixar no solo seus subprodutos, sobre os quais não se sabe ainda se a toxicidade é maior ou menor que o produto inicial. A combinação do peróxido (H2O2) com ferro, luz e ozônio pode melhorar a velocidade da reação e eliminar totalmente o produto. "Tem de ser conjugados. É um processo avançado. Sai da linha convencional", explica. Beati explica que para a degradação realizada em sua pesquisa de doutorado foram utilizados 200 miligramas de peróxido em amostras e 1 litro de água. Ele pontua que apesar de essa dose ter sido aumentada para chegar à degradação total, não é possível assegurar se em doses elevadas o peróxido provocaria a contaminação da água. O pesquisador acrescenta que tudo o que é despejado em grande quantidade em rios pode se tornar um poluente.
Por observar a importância dos processos oxidativos avançados (POAs) no tratamento de água, tanto ambientalmente quanto academicamente, Beati propôs métodos para conjugar os POAs com processos eletroquímicos para produzir in-situ agentes oxidantes, como é o caso do peróxido. A ideia é saber se a tecnologia eletroquímica pode ser usada também para o tratamento final da água. "Seria o sonho de consumo de qualquer estação de tratamento não ter resíduo nenhum de tratamento. Seria importante para descontaminação de água. E o peróxido poderia ser agente de descontaminação."
O monitoramento das condições ambientais para evitar contaminações em águas do lençol freático e subterrâneas tem de ser feito periodicamente, mas, muitas vezes, ao registrar resultados das avaliações, os técnicos não conseguem identificar os subprodutos, colocando em risco a vida de seres vivos. "Quem faz o monitoramento fala: 'vamos monitorar a ametrina', mas a ametrina perde agrupamento de hidrogênio, de nitrogênio, de enxofre e aí já não é ametrina, é um produto de degradação", explica Beati.
Beati enfatiza que no Brasil, em menos de 1% das terras agricultáveis plantam-se 4,5 milhões de hectares de cana (duas vezes a área do Estado do Piauí), mas para manter a produção, os herbicidas acabam sendo usados em excesso. "Se pensarmos que 70% da água doce utilizada na agricultura serve para irrigação, imagine a quantidade de herbicida que escorre para os rios. E esta água é utilizada para abastecimento tanto das indústrias quanto de nossas residências", argumenta.
O desenvolvimento da primeira fase do projeto, o qual estava relacionado à degradação química da AME, a partir de uma solução padrão, mostrou que as moléculas da AME são muito estáveis e a adição de diferentes concentrações de H2O2 e mudanças de temperatura e pH não são efetivas para promover a degradação, dificultando a identificação de subprodutos de reação. Muitas vezes, os técnicos desconhecem uma classe na degradação que não sabe se aquilo não é trivial para poder identificar seus produtos. "Existem mais de 7 milhões de compostos orgânicos no mundo, mas identificados com a classe toxicológica, existem somente 1,5 mil. Isso significa que temos inúmeras moléculas que podem estar presentes ali e não imaginamos o que seja", explica.
A proposta é dar continuidade aos estudos para verificar como ocorre a degradação natural no solo e investigar a possibilidade de encontrar alguns desses subprodutos identificados, segundo o autor da tese. "Um estudo para verificar as toxicidades destes intermediários também seria importante", acrescenta.
Meio ambiente
Se por um lado tantos compostos beneficiam a estabilidade dos negócios, por outro, podem causar prejuízos ambientais. A Região Metropolitana de Campinas é a quarta na produção de cana de açúcar no Brasil. Na RMC, mais de mil hectares são destinados ao cultivo de cana. A ametrina é utilizada tanto na pré-germinação quanto nos estágios 1 e 2 do ciclo da cultura da cana-de-açúcar, segundo o pesquisador. E foi apenas um dos inúmeros produtos que podem ser identificados na produção de cana. Daí a importância de se experimentar novos e mais eficientes processos de degradação, segundo o pesquisador.
Beati acredita que devido à grandeza dos números do setor sucroalcooleiro no Brasil, não se pode tratar a cana-de-açúcar apenas como mais um produto, mas sim como o principal tipo de biomassa energética, base para todo o agronegócio sucroalcooleiro, representado por 350 indústrias de açúcar e álcool e um milhão de empregos diretos e indiretos em todo o país. Mas para manter o status de um dos setores mais promissores do agronegócio brasileiro, é preciso usar muitos herbicidas, acaricidas, fungicidas, nematicidas, rodencidas e inseticidas. A quantidade excessiva desses produtos pode causar danos à saúde humana e de outros animais, pois, consumidos em excesso, eles podem afetar o sistema nervoso central, segundo o pesquisador.
Maria Alice da Cruz/UNICAMP