terça-feira, 3 de agosto de 2010

POLUENTES INTERFEREM NA REPRODUÇÃO DE PEIXES

Laboratório do IB analisa interferência dos poluentes na reprodução dos peixes

Camila Camilo / USP Online



Segundo relatório da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), no ano passado, 68 dos 172 pontos observados – rios, córregos e reservatórios, entre outros – apresentavam um índice entre péssimo ou ruim na qualidade de águas para proteção da vida aquática (IVA). O Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos (Lameroa) do Instituto de Biociências (IB) da USP possui uma linha de pesquisa que estuda como este ambiente poluído interfere na reprodução dos peixes.


A docente responsável pelo estudo, Renata Guimarães Moreira, conta que o tema da ecotoxicologia (ramo da ecologia que estuda o efeito dos agentes tóxicos sobre constituintes do ecossistema) foi incluído no laboratório e uniu-se à sua pesquisa, relacionada à fisiologia da reprodução com foco em peixes de água doce, através de Tiago Gabriel Correia, atual doutorando do Departamento, que trouxe sua experiência de uma iniciação científica realizada na Universidade de Mogi das Cruzes.

Naquele período, o trabalho de Tiago consistia em coletar a água do ambiente poluído, no caso o Ribeirão Araraquara, em Santa Isabel, município da grande São Paulo, e verificar os eventuais prejuizos que o efluente trazia ao peixe Poecilia reticulata, conhecido popularmente como guaru ou lebiste. O efluente era uma espécie de corante despejado no ribeirão por uma indústria de tecidos local. Os resultados mostraram que, em comparação aos embriões que viviam em água limpa, os do Ribeirão Araraquara existiam em menor quantidade e apresentavam certa precariedade no vitelo, a carga de nutrientes que o embrião tem à disposição no ovo até que este ecloda e ele possa buscar alimento por conta própria.


Sinergismo Astyanax bimaculatus





Além de Tiago, Vanessa Aparecida Vieira e Amanda de Moraes pesquisam no doutorado diferentes sistemas fisiológicos dos peixes que são afetados pela poluição. Usando o mesmo modelo experimental, Vanessa cuida da parte metabólica, Tiago da hormonal, e Amanda pesquisa alterações gênicas causadas por poluentes. A pesquisa dos três é feita com a espécie Astyanax bimaculatus, um tipo de lambari que, em laboratório, é submetido a alumínio (Al) e manganês (Mn), poluentes comuns em lagos e rios. A intenção é observar o efeito direto destes poluentes, tanto individualmente quanto em conjunto, no que se chama de sinergismo, que é a reprodução da interação que ocorre efetivamente na natureza.

Na produção do vitelo a fêmea mobiliza componentes energéticos, como proteínas, de partes do corpo como o músculo, o fígado e as gônadas. Quando poluentes como metais pesados chegam ao fígado, órgão de detoxificação responsável por sintetizar proteínas que compõem o vitelo, o nível de proteína que se destina a ele diminui, o que leva a prejuízos na nutrição do embrião.

A professora Renata conta ainda que algumas substâncias atuam como desreguladores ou disruptores endócrinos, isto é,  substâncias que alteram a síntese hormonal dos peixes. Caso do estrogênio, que quando disperso na água (advindo, por exemplo, da urina de mulheres que tomam anticoncepcionais), é absorvido por animais do sexo masculino que podem passar a produzir gametas femininos.

Saúde humana

Tiago explica que a absorção dos poluentes varia segundo a espécie, assim como cada parte do corpo do peixe absorve de maneira diferente poluentes presentes na água. As consequências afetam também plantas e animais do ecossistema da espécie atingida, o que inclui o homem. O doutorando conta que a consequência tóxica do consumo de carne de peixe contaminada para o corpo humano é enorme. Os metais pesquisados no laboratório, Al e Mn, por exemplo, são neurotóxicos, isto é, causam danos ao sistema nervoso. Além disso, têm efeito cumulativo no organismo. Pesquisas mostram que parte dos portadores do mal de Parkinson apresentavam concentrações elevadas de Al em regiões do encéfalo. Do mesmo modo, o acúmulo de Mn também pode estar relacionado ao mal de Alzheimer.

As causas do problema incluem, de acordo com os pesquisadores, a falta de tratamento de esgoto de muitos municípios. Além disso, é necessária uma mudança nos índices aceitáveis de poluição. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) considera 0,1mg/l o índice permitido de poluição por alumínio. Entretanto, segundo a professora, ainda que o animal não morra, terá prejuízos fisiológicos mesmo sem que tais níveis sejam ultrapassados.

Tiago sugere como solução iniciativas relacionadas à preservação do ambiente, como a criação de agências além da Cetesb, para aumentar a fiscalização, e a difusão de educação ambiental para a população. E Renata conta que, embora haja problemas na pesquisa - já que, por exemplo, os kits disponíveis de monitoramento de indicadores de poluição foram preparados para peixes de clima temperado a frio, e não são adequados para as espécies brasileiras - há um projeto em andamento que pretende reunir os trabalhos dos três doutorandos. Para a docente, este será um trabalho valioso, com interação entre temas de pesquisa, o que é, segundo ela, característica do departamento.