sexta-feira, 24 de setembro de 2010

QUITOSANA ALIADA NA DESPOLUIÇÃO

Quitosana é usada para despoluir água
 
Fibra retirada de crustáceos mostra-se capaz
de extrair metais pesados de cursos poluídos
ISABEL GARDENAL/JORNAL DA UNICAMP

A quitosana – uma fibra retirada do exoesqueleto de crustáceos – pode ser uma nova aliada da ciência na despoluição dos rios e efluentes despejados pela indústria. Ela se mostrou capaz de extrair metais da água, como o cobre, o zinco, o chumbo, o cobalto e o cádmio, em um estudo de doutorado conduzido no Instituto de Química (IQ) pela pesquisadora Elaine Cristina Nogueira Lopes de Lima, orientada pelo docente do IQ professor Claudio Airoldi. Esta estratégia poderá contribuir para eliminar um dos maiores gargalos enfrentados pelas fábricas hoje que é o da destinação do lixo industrial, já que os metais pesados, em altas concentrações, se apresentam danosos ao meio ambiente e à saúde, não se degradando nem pela ação do tempo. Os experimentos foram obtidos por meio da técnica de adsorção. 

Com essa descoberta, a autora já planeja testar outras reações em misturas com quitosana, desta vez em fármacos, com a finalidade de que os tratamentos sejam muito mais adequados. Elaine Lima e Claudio Airoldi acreditam que outras novas pesquisas que vierem nesta linha serão promissoras.

A técnica de adsorção, explica Claudio Airoldi, é relativamente simples e barateia o processo como um todo, por isso ela foi a escolhida neste trabalho. Nos testes, realizados no Laboratório de Termoquímica de Materiais (Latemat), foi selecionado um metal para simulação das mesmas condições que possivelmente ocorrem em um efluente, retirando-o completamente da água para não contaminar o meio ambiente. “A experiência foi bem-sucedida e de grande aplicabilidade, pois levou à determinação não somente qualitativa, mas também quantitativa dos efeitos que acontecem perante o metal.” 

O foco dessa investigação, refere Elaine Lima, consistiu em utilizar um recurso que modificasse algumas propriedades químicas desse material a fim de submetê-lo a uma série de reações, com vistas a aumentar a adsorção dos metais e, com isso, favorecer a despoluição de rios. A ideia era melhorar a qualidade da água, principalmente nos tratamentos que devem ser feitos nas indústrias antes desses efluentes (produtos líquidos ou gasosos) serem lançados ao meio ambiente.

Existem relatos recentes que dão conta de descrever os metais como componentes deletérios à saúde que, em excesso, podem ocasionar câncer, em decorrência da exposição a eles e do seu efeito cumulativo no organismo humano, além de sua atuação no sistema nervoso central, em particular no caso do chumbo.

Modificação

A pesquisadora conta que adotou a quitosana por ser um material muito abundante na natureza. “A proposta era aprimorar propriedades como a sua capacidade de adsorver e de complexar metais e, deste modo, adotá-la no futuro para tratamento de efluentes reais de indústrias de modo geral”, afirma Elaine. “Portanto, estes materiais poderão ser empregados com êxito na remoção de cátions metálicos desses efluentes, atuando como agentes na diminuição dos efeitos tóxicos causados por metais pesados e também na renovação do ecossistema.”

Na pesquisa, após a modificação química da quitosana com cloretos orgânicos e posterior imobilização de aminas (base orgânica nitrogenada, derivada do amoníaco, que entra na composição dos aminoácidos), Elaine percebeu uma estreita, mas clara, relação com o favorecimento da adsorção de metais, comparada à quitosana pura, não-modificada. “Vimos que a modificação neste caso garantiu uma maior adsorção e que a calorimetria auxiliou a perceber a energética, ou seja, como ocorre a interação entre a quitosana modificada e os metais estudados, um dado valioso na literatura e que seguramente terá condições de dar sustentação a novos trabalhos”, relata Claudio Airoldi.

Segundo o orientador do trabalho ainda, a modificação química deve ser ressaltada nesse processo, isso porque parte de um material que é transformado para se tornar cada vez mais com potencial de uso. “Isso é fundamental porque nos dias de hoje o que se buscam são primeiramente materiais não-tóxicos, isto é, biocompatíveis. No caso da quitosana, ela é até comestível, não representando problema algum ao organismo.”

Ele relata que esses materiais garantem grande aplicabilidade, dentro da qual o que se procura no momento é obter a quitosana para interagir com fármacos que sejam aplicados com propriedade ao ser humano, para que haja uma liberação paulatina de seus princípios durante um dado tratamento médico. Os pesquisadores, diz, têm se debruçado em estudar novas fronteiras para o uso da quitosana, cujo alvo é a liberação controlada.

Este trabalho vem sendo concebido no IQ também por Elaine Lima, que ora dá prosseguimento à descoberta de novos achados agora no pós-doutorado, já com apoio da Fapesp, igualmente orientado por Claudio Airoldi. 

Entre o desenvolvimento das suas pesquisas e a sua aceitação para ingresso nesse curso, a pesquisadora chegou a uma outra conquista: foi aprovada recentemente num concurso da Universidade Federal de Sergipe (UFS), sua terra. Mas de modo algum isso deverá inviabilizar a sua pesquisa na Unicamp, comenta Claudio Airoldi. “Ela ainda trabalhará com esse tipo de enfoque em que eu e outros pesquisadores temos grande interesse.” Um aspecto que se deve dar ênfase, expõe ele, inclusive é que esta instituição, como centro de pesquisa, também é formadora de recursos humanos qualificados. “Isso é muito importante para que Elaine Lima volte à sua universidade de origem e que esteja muito mais apta ainda a desenvolver ali as suas pesquisas.”

Calorímetro

Um dos instrumentos utilizados na pesquisa de Elaine Lima, e que é muito restrito no meio acadêmico brasileiro, foi o calorímetro, que há anos está sob a guarda do IQ. A calorimetria estuda as trocas de energia entre corpos ou sistemas quando essas trocas se dão na forma de calor. Através da calorimetria, é possível fazer a determinação quantitativa dos efeitos que acontecem por exemplo na matéria, a quitosana, com uma outra espécie, no caso o metal. Com sua ajuda é possível orientar de que maneira este material pode melhor extrair determinados metais em relação a outros.

No Laboratório de Termoquímica de Materiais, Claudio Airoldi atua mais com materiais que têm como característica serem adsorventes, ou seja, que podem retirar espécies indesejadas do meio estudado. Porém, com o passar do tempo, o seu interesse foi se direcionando para os biomateriais, que derivam de plantas, sendo os mais destacados a celulose e a quitosana. 

Com a celulose, é mais difícil de ser trabalhar, do ponto de vista químico, esclarece o professor. Logo, o direcionamento maior foi para a quitosana, visto que ela é extraída de vários pequenos animais e pode trazer o mesmo direcionamento na pesquisa. Em termos de reatividade, ela é bem mais ativa do que a celulose, o que facilita a sua modificação química e, consequentemente, dá-lhe uma utilidade mais aprimorada.

Biopolímero é abundante na natureza
A quitosana é um biopolímero. Ela é obtida a partir da quitina, um outro biopolímero, hoje o segundo material mais abundante da natureza, após a celulose, e que tem como principais fontes naturais as carapaças de crustáceos como caranguejo, camarão e lagosta, sendo também encontrada em insetos, moluscos e na parede celular de fungos. Devido à sua abundância na costa marinha brasileira, existe uma grande quantidade de crustáceos que são rejeitos. A reutilização desses rejeitos, para retirada da quitina e posterior emprego como quitosana, tem chamado a atenção da comunidade científica há muito tempo.

Ela é aplicada em uma diversidade de áreas, principalmente nas áreas farmacêutica e alimentícia. Em si, já possui propriedades que garantem um bom material, um bom adsorvente, que foi, no presente caso, a retirada de metais, corantes, poluentes orgânicos e inorgânicos em geral. “O que de fato queríamos era utilizar este material para usufruir de suas propriedades, amplamente difundidas na literatura, para então modificá-lo, aumentando essa capacidade e, com isso, também obter dados calorimétricos que são ainda inéditos, a priori com este material modificado e com os metais utilizados”, constata Claudio Airoldi, que orienta nesta linha atualmente dois alunos de mestrado, dez de doutorado, dois de pós-doutorado e um de iniciação científica.

................................................
Artigos 
 
Lopes, E.C.N.; Sousa, K.S.; Airoldi, C. Chitosan–cyanuric chloride intermediary as a source to incorporate molecules – Thermodynamic data of copper/biopolymer interactions. Thermochimica Acta, 483: 21-8, 2009.
Machado, M.O.; Lopes, E.C.N.; Sousa, K.S.; Airoldi, C. The effectiveness of the protected amino group on crosslinked chitosans for copper removal and thermodynamic of interaction at the solid/liquid interface. Carbohydrate Polymers, 77: 760-6, 2009.

Publicação

Tese de Doutorado “Quitosana modificada quimicamente através de cloretos orgânicos e o uso como fonte em remoção catiônica”

Autora: Elaine Cristina Nogueira Lopes de Lima

Orientador: Claudio Airoldi

Unidade: Instituto de Química (IQ)

Financiamento: CNPq